O ABC do direito da UE

PREFÁCIO

A ordem jurídica subjacente à União Europeia (UE) faz parte integrante da nossa realidade política e social. Todos os anos, os Tratados da UE estão na origem de milhares de decisões que influenciam decisivamente a realidade dos Estados-Membros da UE e a vida dos seus cidadãos. Há muito que os indivíduos deixaram de ser meros cidadãos do seu país, cidade ou freguesia, passando a ser também cidadãos da UE. Ora, é por isso de grande relevância que estejam também informados acerca da ordem jurídica que determina a sua vida quotidiana. No entanto, as complexidades da estrutura da UE e da sua ordem jurídica não são facilmente acessíveis. Parte da dificuldade reside, desde logo, nos próprios textos dos Tratados, por vezes pouco claros e cujo alcance pode ser difícil de apreender. Além disto, há a singularidade de muitos dos conceitos com que os Tratados procuram gerir situações novas e pouco habituais. Como tal, as páginas seguintes são uma tentativa de dar a conhecer aos cidadãos interessados a estrutura da UE e os pilares da ordem jurídica europeia. Embora a estrutura básica da UE — e a sua ordem jurídica, de especial interesse neste ABC — seja muito estável, não deixa de sofrer inúmeras alterações em maior ou menor escala, como, por exemplo, as consequências da saída do Reino Unido da UE. A presente edição de O ABC do Direito da UE abrange todos os principais desenvolvimentos na ordem jurídica da UE até 2023.

GLOSSÁRIO DE ABREVIATURAS

ACP África, Caraíbas e Pacífico
CE Comunidade Europeia
BCE Banco Central Europeu
CEDH Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (Convenção Europeia dos Direitos Humanos)
Col. Coletânea de processos apresentados junto do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral
CECA Comunidade Europeia do Carvão e do Aço
Tratado CE Tratado que institui a Comunidade Europeia
CEE Comunidade Económica Europeia
CESE Comité Económico e Social Europeu
OEPP Procuradoria Europeia
MEE Mecanismo Europeu de Estabilidade
UE União Europeia
Tratado da UE / TUE Tratado da União Europeia
Euratom Comunidade Europeia da Energia Atómica
DPE Membro do Parlamento Europeu
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte
OCDE Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos
OECE Organização Europeia de Cooperação Económica
OSCE Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa
PEA Processo de estabilização e de associação
TFUE Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

CRONOLOGIA

26 de junho de 1945: Assinatura da Carta das Nações Unidas, em São Francisco

9 de setembro de 1946: Discurso de Winston Churchill, em Zurique, sobre os benefícios dos Estados Unidos da Europa

17 de março de 1948: Assinatura do Tratado que institui a União da Europa Ocidental, em Bruxelas

4 de abril de 1949: Assinatura do Tratado do Atlântico Norte que institui a OTAN, em Washington

16 de abril de 1949: Criação da Organização Europeia de Cooperação Económica, em Paris

5 de maio de 1949: Assinatura do Tratado que institui o Conselho da Europa, em Estrasburgo

9 de maio de 1950: Declaração de Robert Schuman sobre a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço como primeiro passo para uma Federação Europeia

4 de novembro de 1950: Assinatura da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, em Roma

18 de abril de 1951: Assinatura do Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (Tratado CECA), em Paris, por Bélgica, Alemanha, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos — por uma duração de 50 anos

23 de julho de 1952: Entrada em vigor do tratado CECA

1 de junho de 1955: Conferência dos Ministros dos Negócios Estrangeiros, em Messina, para preparar o Tratado CEE

25 de março de 1957: Assinatura dos Tratados que instituem a Comunidade Económica Europeia (Tratado CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (Tratado Euratom), em Roma, por Bélgica, Alemanha, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos (Tratados de Roma)

1 de janeiro de 1958: Entrada em vigor dos Tratados de Roma

4 de janeiro de 1960: Criação da Associação Europeia de Comércio Livre, em Estocolmo, pela Áustria, Dinamarca, Noruega, Portugal, Suécia, Suíça e Reino Unido

14 de dezembro de 1960: Assinatura da Convenção relativa à Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos, em Paris

8 de abril de 1965: Assinatura do Tratado que institui um Conselho único e uma Comissão única das Comunidades Europeias (Tratado de Fusão)

1 de julho de 1967: Entrada em vigor do Tratado de Fusão

1 de janeiro de 1973: A Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido aderem às Comunidades Europeias

1 de agosto de 1975: Assinatura da Ata Final da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, em Helsínquia

18 de dezembro de 1978: Criação do Sistema Monetário Europeu

7-10 de junho de 1979: Primeiras eleições diretas para o Parlamento Europeu

1 de janeiro de 1981: Adesão da Grécia às Comunidades Europeias

1 de janeiro de 1985: Saída da Gronelândia da Comunidade Económica Europeia

14 de junho de 1985: Acordo de Schengen entre a Bélgica, a França, a Alemanha Ocidental, o Luxemburgo e os Países Baixos relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns

1 de janeiro de 1986: Adesão de Portugal e de Espanha às Comunidades Europeias

1 de julho de 1987: Criação do Ato Único Europeu

3 de outubro de 1990: Adesão da Alemanha de Leste à República Federal da Alemanha e integração nas Comunidades Europeias

7 de fevereiro de 1992: Assinatura do Tratado da União Europeia (Tratado de Maastricht), em Maastricht

2 de maio de 1992: Assinatura do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (Acordo EEE), no Porto

1 de janeiro de 1993: Criação do mercado interno europeu

1 de novembro de 1993: Entrada em vigor do Tratado da União Europeia (Tratado de Maastricht)

1 de janeiro de 1994: Entrada em vigor do Acordo EEE

1 de janeiro de 1995: Adesão da Áustria, da Finlândia e da Suécia à União Europeia

1 de março de 1995: Entrada em vigor da Convenção de Schengen (membros adicionais até março de 2001: Dinamarca, Grécia, Espanha, Itália, Áustria, Portugal, Finlândia e Suécia)

16 de julho de 1997: Publicação do programa da Comissão Europeia «Agenda 2000», sobre o alargamento da UE

2 de outubro de 1997: Assinatura do Tratado de Amesterdão

12 de dezembro de 1997: Início do processo de alargamento da União Europeia pelo Conselho Europeu no Luxemburgo

1 de outubro de 1998: Entrada em vigor da Convenção Europol (cooperação policial na UE)

1 de janeiro de 1999: Introdução da moeda única europeia, o «euro»

1 de maio de 1999: Entrada em vigor do Tratado de Amesterdão

24 de março de 2000: Adoção da Estratégia de Lisboa para a renovação económica, social e ambiental da União Europeia

8 de dezembro de 2000: Proclamação solene da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

26 de fevereiro de 2001: Assinatura do Tratado de Nice

1 de janeiro de 2002: Entrada em circulação das notas e moedas de euro como meio de pagamento

28 de fevereiro de 2002: Criação da Eurojust (desde 2019, Agência da União Europeia para a Cooperação Judiciária Penal)

1 de fevereiro de 2003: Entrada em vigor do Tratado de Nice

1 de maio de 2004: Adesão à UE da Chéquia, da Estónia, de Chipre, da Letónia, da Lituânia, da Hungria, de Malta, da Polónia, da Eslovénia e da Eslováquia

29 de outubro de 2004: Assinatura do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa

Maio/junho 2005: Rejeição do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa nos referendos em França (54,7 % votaram não) e nos Países Baixos (61,7 % votaram não)

1 de janeiro de 2007: Adesão da Bulgária e da Roménia à UE

1 de janeiro de 2007: Introdução do euro na Eslovénia

1 de março de 2007: Criação da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia

12 de dezembro de 2007: Proclamação solene da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho da União Europeia e pela Comissão Europeia, em Estrasburgo

13 de dezembro de 2007: Assinatura do Tratado de Lisboa

21 de dezembro de 2007: Adesão ao espaço Schengen da Chéquia, da Estónia, da Letónia, da Lituânia, da Hungria, de Malta, da Polónia, da Eslovénia e da Eslováquia

1 de janeiro de 2008: Introdução do euro em Chipre e Malta

12 de junho de 2008: Primeiro referendo na Irlanda sobre o Tratado de Lisboa (53,4 % votaram não)

12 de dezembro de 2008: Adesão da Suíça ao espaço Schengen da UE

1 de janeiro de 2009: Introdução do euro na Eslováquia

2 de outubro de 2009: Segundo referendo na Irlanda sobre o Tratado de Lisboa (67,1 % votaram sim)

1 de dezembro de 2009: Entrada em vigor do Tratado de Lisboa

1 de dezembro de 2009: Primeiro Presidente do Conselho Europeu (Herman van Rompuy); primeira Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (Catherine Ashton)

21 de junho de 2010: Criação do Serviço Europeu para a Ação Externa

1 de janeiro de 2011: Introdução do euro na Estónia

1 de janeiro de 2011: Início dos trabalhos da Autoridade Europeia de Supervisão

25 de março de 2011: Adoção do Pacto para o Euro Mais para a coordenação das políticas económicas na União Económica e Monetária

19 de dezembro de 2011: Adesão do Listenstaine ao espaço Schengen da UE

30 de janeiro de 2012: Acordo de 25 Estados-Membros sobre um Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na união económica e monetária

2 de fevereiro de 2012: Assinatura do Tratado que cria o Mecanismo Europeu de Estabilidade

1 de julho de 2013: Adesão da Croácia à UE

1 de janeiro de 2014: Introdução do euro na Letónia

18 de setembro de 2014: Referendo sobre a independência da Escócia: 55,3 % votaram não, 44,7 % votaram sim

1 de janeiro de 2015: Introdução do euro na Lituânia

12 de março de 2015: A Islândia retira formalmente o seu pedido de adesão

23 de junho de 2016: Referendo sobre a saída do Reino Unido (51,9 % votaram a favor da saída)

30 de dezembro de 2016: Entrada em vigor na UE do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas após ratificação pelos Estados-Membros

29 de março de 2017: Notificação da intenção do Reino Unido de se retirar da União Europeia pela primeira- -ministra Theresa May

31 de janeiro de 2020: Saída do Reino Unido da UE, ao fim de 47 anos de adesão

9 de maio de 2020: 70.º aniversário da Declaração Schuman

1 de janeiro de 2021 : O Reino Unido abandona o mercado único e a união aduaneira, bem como todas as políticas e acordos comerciais da UE após o termo do período de transição, dando lugar ao Acordo de Comércio e Cooperação entre a UE e o Reino Unido

10 de março de 2021: Assinatura da Declaração Comum do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão sobre a Conferência sobre o Futuro da Europa

28 de junho de 2021: Adoção da primeira Lei Europeia em matéria de Clima pela UE

1 de janeiro de 2023: Introdução do euro na Croácia (20.º membro da área do euro)

1 de janeiro de 2023: Adesão da Croácia ao espaço Schengen da UE

DE PARIS A LISBOA VIA ROMA, MAASTRICHT, AMESTERDÃO E NICE

Até pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial, o funcionamento dos Estados e a vida política dos nossos países assentavam ainda, quase exclusivamente, nas constituições e leis nacionais. Foi nesta base que se criaram regras de conduta vinculativas, não apenas para os cidadãos e para os partidos nos nossos Estados democráticos, mas também para o Estado e os seus órgãos. Foi preciso o colapso total da Europa e o seu declínio económico e político para que se lançassem as bases da renovação e para que a ideia de uma nova ordem europeia ganhasse uma renovada dinâmica.

Em termos gerais, os esforços de unificação europeia depois da Segunda Guerra Mundial criaram uma mistura desconcertante de organizações complexas, difícil de seguir. Por exemplo, organizações como a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE), a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), o Conselho da Europa e a União Europeia coexistem sem grandes ligações entre si.

Esta panóplia de organizações só adquire uma estrutura lógica quando olhamos para os seus objetivos específicos. Estas organizações podem ser divididas em três grupos principais.

Primeiro grupo: as organizações euro-atlânticas

As organizações euro-atlânticas resultam da aliança concluída após a Segunda Guerra Mundial entre os Estados Unidos da América e a Europa. Não é, pois, um mero acaso que a primeira organização europeia do pós-guerra, a Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE), fundada em 1948, tenha sido criada por iniciativa dos Estados Unidos. O então secretário de Estado norte-americano George Marshall fez um apelo aos países da Europa, em 1947, para que unissem forças na reconstrução das suas economias e prometeu apoio americano. Este apoio veio sob a forma do Plano Marshall, que serviu de base à rápida reconstrução da Europa ocidental. A primeira missão da OECE consistiu essencialmente na liberalização das trocas comerciais entre os países. Em 1960, data da adesão do Canadá e dos Estados Unidos, a organização passou a ter um novo objetivo, a promoção do progresso económico nos países do Terceiro Mundo. A OECE tornou-se então a OCDE, que conta agora com 38 membros.

Paul-Henri Spaak, sentado à mesa, assina o Tratado, rodeado por vários delegados, dois deles sentados ao seu lado, um de cada lado.

Paul-Henri Spaak, ministro dos Negócios Estrangeiros da Bélgica, assina o Tratado de fusão dos executivos das três Comunidades (CECA, CEE, Euratom) em Bruxelas, Bélgica, 8 de abril de 1965. O Tratado instituiu um Conselho único e uma Comissão única das Comunidades Europeias.

À criação da OECE seguiu-se, em 1949, a OTAN, sob forma de uma aliança militar com o Canadá e os Estados Unidos. O objetivo da OTAN é a defesa e apoio coletivos. Esta organização foi concebida como parte de uma cintura de segurança global para travar a influência soviética. Após a queda da Cortina de Ferro, em 1989, e a subsequente dissolução da União Soviética, a organização tem vindo, cada vez mais, a chamar a si tarefas como a gestão de crises e a promoção da estabilidade. A OTAN tem 31 países membros, compostos por 22 Estados-Membros da UE (não incluindo Irlanda, Chipre, Malta, Áustria e Suécia) e Albânia, Canadá, Estados Unidos, Islândia, Macedónia do Norte, Montenegro, Noruega, Reino Unido e Turquia. A União da Europa Ocidental (UEO) foi instituída em 1954, com o intuito de reforçar a colaboração em matéria de política de segurança entre os países europeus. A UEO marcou o início do desenvolvimento de uma política de segurança e defesa na Europa. No entanto, o seu papel não foi ampliado e a maioria das suas competências foi transferida para outras instituições internacionais, sobretudo a OTAN, o Conselho da Europa e a UE. Consequentemente, a UEO foi dissolvida em 30 de junho de 2011.

Segundo grupo: o Conselho da Europa e a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa

As organizações europeias que integram o segundo grupo caracterizam-se por uma estrutura que possibilita a cooperação do maior número possível de países, tendo sido deliberadamente acordado que estas organizações não iriam além da cooperação tradicional entre Estados.

Robert Schuman, no centro de uma sala imponente, em frente a uma grande e elaborada lareira, dirige-se a delegados sentados à sua frente e à volta da mesa.

Declaração Schuman, de 9 de maio de 1950, na sala do relógio do ministério francês dos Negócios Estrangeiros, em Quai d’Orsay, Paris. O Ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Robert Schuman, propôs que a indústria europeia do carvão e do aço se unisse para criar a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Acreditava-se que, após a criação desta comunidade, uma guerra entre os países participantes seria impensável, até mesmo materialmente impossível.

Deste grupo faz parte o Conselho da Europa, organização política fundada em 5 de maio de 1949, que conta agora com 46 membros, incluindo todos os atuais Estados-Membros da UE. Os estatutos do Conselho da Europa não fazem nenhuma referência à criação de uma federação ou de uma união, nem preveem nenhuma transferência ou exercício em comum de partes da soberania nacional. Todas as decisões sobre questões importantes são tomadas por unanimidade, o que significa que qualquer país tem poder de veto. O Conselho da Europa foi, assim, concebido para ter em vista apenas a cooperação internacional.

O Conselho da Europa celebrou inúmeras convenções em domínios como a economia, a cultura, a política social e o direito. O exemplo mais importante e mais conhecido é o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (CEDH), assinada em 4 de novembro de 1950. Todos os 46 membros do Conselho são agora partes na Convenção. Na prática, a CEDH permitiu instaurar nos países signatários não apenas um nível mínimo mais significativo de proteção dos direitos humanos, mas também um sistema de garantias jurídicas que habilitam os órgãos instituídos em Estrasburgo pela Convenção, a saber, a Comissão Europeia dos Direitos do Homem e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a condenar quaisquer violações da Convenção dos Direitos do Homem nos países signatários.

Deste grupo faz ainda parte a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE), instituída em 1994 para suceder à Conferência para a Segurança e a Cooperação na Europa (CSCE). A OSCE conta atualmente com 57 Estados participantes e está vinculada aos princípios e objetivos enunciados na Ata Final de Helsínquia de 1975 e na Carta de Paris de 1990. Além da promoção de medidas geradoras de confiança entre os países europeus, estes objetivos incluem também a criação de uma «rede de segurança» para a resolução pacífica dos conflitos.

Terceiro grupo: União Europeia

O terceiro grupo de organizações europeias é constituído pela União Europeia. A UE distingue-se das tradicionais associações entre Estados por um aspeto fundamental: reúne países que renunciaram a uma parte da sua soberania em favor da UE, tendo conferido a esta última poderes próprios e independentes dos Estados-Membros. O exercício destes poderes confere à UE competências para adotar legislação europeia de efeito equivalente aos atos nacionais.

A pedra fundadora da UE foi lançada pelo então ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Robert Schuman, com a sua Declaração de 9 de maio de 1950, em que apresentou o projeto elaborado conjuntamente com Jean Monnet para a unificação da indústria europeia do carvão e do aço numa Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Tratou-se de uma iniciativa histórica a favor de uma «Europa organizada e viva», que é «indispensável à civilização» e sem a qual a «paz no mundo não seria salvaguardada».

O «plano Schuman» tornou-se uma realidade com a conclusão do Tratado que institui CECA, assinado a 18 de abril de 1951 pelos seis Estados fundadores (Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos e República Federal da Alemanha), em Paris (Tratado de Paris), e a sua entrada em vigor no dia 23 de julho de 1952. Esta Comunidade foi instituída por um período de 50 anos e, quando esse prazo previsto no Tratado fundador chegou ao fim, em 23 de julho de 2002, foi «integrada» na Comunidade Europeia. No seu seguimento, alguns anos mais tarde foram instituídas pelos Tratados de Roma de 25 de março de 1957 a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA ou Euratom), que iniciaram as respetivas atividades com a entrada em vigor dos Tratados, em 1 de janeiro de 1958.

A criação da União Europeia pelo Tratado de Maastricht constituiu um novo avanço no processo da unificação política da Europa. Embora o tratado tenha sido assinado em 7 de fevereiro de 1992 em Maastricht, teve de vencer alguns obstáculos na fase de ratificação (foram precisos dois referendos para a sua aprovação na Dinamarca, e na Alemanha foi interposto um recurso no Tribunal Constitucional contra a aprovação parlamentar do tratado) até à sua entrada em vigor em 1 de novembro de 1993. O tratado definiu-se a si próprio como «uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa». Embora incluísse o ato constitutivo da União Europeia, não concluiu o processo. A União Europeia não substituiu as Comunidades Europeias, colocou-as ao lado das novas políticas e formas de cooperação. Daí os «três pilares» nos quais assenta a União Europeia. O primeiro pilar englobava as Comunidades Europeias: a CEE (rebatizada CE), a CECA (até 2002) e a Euratom. O segundo pilar englobava a cooperação entre os Estados-Membros ao abrigo da política externa e de segurança comum. O terceiro pilar abrangia a cooperação entre os Estados-Membros nos domínios da justiça e dos assuntos internos.

A UE deu um novo passo em frente com os Tratados de Amesterdão e Nice, que entraram em vigor, respetivamente, em 1 de maio de 1999 e 1 de fevereiro de 2003. O objetivo destas reformas dos Tratados era manter a capacidade de atuação eficaz da UE, mesmo numa UE alargada por um número considerável de novos Estados-Membros. Por conseguinte, os dois Tratados centraram-se em reformas institucionais. Em comparação com reformas anteriores, a vontade política de aprofundamento da integração europeia era relativamente fraca.

As críticas posteriores vindas de vários quadrantes levaram a que se encetasse um debate sobre o futuro da UE e a sua configuração institucional. Daqui resultou a aprovação de uma Declaração sobre o futuro da União Europeia pelos Chefes de Estado ou de Governo, a 5 de dezembro de 2001, em Laeken (Bélgica). Nela, a UE comprometeu-se a tornar-se mais democrática, transparente e eficiente, assim como a abrir caminho para uma constituição. Como primeiro passo para a realização destes objetivos, confiou-se a elaboração de uma constituição europeia a uma convenção europeia, presidida pelo antigo Presidente francês Valéry Giscard d’Estaing. O projeto do «Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa» elaborado pela convenção foi oficialmente apresentado ao presidente do Conselho Europeu em 18 de julho de 2003 e adotado, com várias alterações, pelos Chefes de Estado ou de Governo em 17 e 18 de julho de 2004, em Bruxelas.

Com esta constituição, a União Europeia e a Comunidade Europeia até então existentes deveriam dar lugar a uma nova e única União Europeia que teria como base um único tratado constitucional. Paralelamente, apenas a Comunidade Europeia da Energia Atómica deveria continuar a ter existência autónoma, devendo, no entanto — e tal como anteriormente — manter a estreita articulação com a nova União Europeia. Contudo, esta abordagem constitucional fracassou no processo de ratificação levado a cabo pelos Estados-Membros. Depois de ter obtido votações inicialmente positivas em 13 dos 25 Estados-Membros, o Tratado foi rejeitado nos referendos realizados em França (54,7 % de votos contra, com uma participação de 69,3 %) e nos Países Baixos (61,7 % de votos contra, com uma participação de 63 %).

Decorrido um período de reflexão de quase dois anos, foi possível, no primeiro semestre de 2007, apresentar um novo pacote de reformas. Este pacote de reformas abandonou formalmente o conceito de constituição europeia, segundo o qual todos os Tratados existentes seriam revogados e substituídos por um texto único designado por «Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa». Delineou-se, em vez disso, um Tratado Reformador que retomou toda a tradição das modificações de fundo introduzidas pelos Tratados de Maastricht, Amesterdão e Nice nos Tratados da UE existentes, no sentido de aumentar tanto a capacidade de atuação interna como externa da União, reforçar a legitimidade democrática e, de um modo geral, melhorar a eficiência da ação da UE. Mantendo a tradição, o nome deste Tratado Reformador adveio do local onde foi assinado: Tratado de Lisboa. A elaboração do tratado foi invulgarmente rápida, o que ficou a dever-se, sobretudo, aos próprios Chefes de Estado ou de Governo, que nas conclusões do Conselho Europeu realizado em Bruxelas em 21 e 22 de junho de 2007, determinaram em pormenor de que modo e com que alcance as alterações negociadas relativamente ao Tratado Reformador deviam ser incorporadas nos tratados já existentes. Agiram de forma bastante atípica, não se limitando, como habitual, a dar instruções genéricas a aplicar subsequentemente por uma Conferência Intergovernamental, mas tendo eles próprios projetado a estrutura e o conteúdo das modificações a introduzir, chegando inclusive a redigir, muitas vezes, o texto exato de algumas disposições.

Neste contexto, foram particularmente controversos os limites das competências entre a UE e os Estados-Membros, o futuro da Política Externa e de Segurança Comum, o novo papel dos parlamentos nacionais no processo de integração, a inclusão da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia no direito da UE e os possíveis avanços no domínio da cooperação policial e judicial em matéria penal. A Conferência Intergovernamental convocada em 2007 viu, por isso, a sua própria margem de manobra muito reduzida e foi-lhe atribuída competência unicamente para aplicar tecnicamente as modificações pretendidas. Os trabalhos da conferência terminaram a 18 e 19 de outubro de 2007, tendo recebido a aprovação política no Conselho Europeu informal que decorria simultaneamente em Lisboa.

O Tratado teve finalmente a sua assinatura solene no dia 13 de dezembro de 2007 pelos Chefes de Estado ou de Governo dos então 27 Estados-Membros da UE, reunidos em Lisboa (a adesão da Croácia à UE só aconteceu em 2013). No entanto, o processo de ratificação deste Tratado viria também a revelar-se particularmente difícil. Embora o Tratado de Lisboa tenha, ao contrário do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, ultrapassado os obstáculos à ratificação na França e nos Países Baixos, a ratificação veio a fracassar seguidamente na Irlanda, num primeiro referendo realizado em 12 de junho de 2008 (com 53,4 % de votos contra e uma participação de 53,1 %). Só depois de terem sido dadas algumas garantias jurídicas quanto ao alcance (limitado) do novo Tratado é que os cidadãos da Irlanda foram, em outubro de 2009, chamados a pronunciar-se num segundo referendo sobre o Tratado de Lisboa. Desta vez o Tratado recolheu um apoio alargado por parte da população irlandesa (67,1 %, com uma participação de 59 %). O sucesso do referendo irlandês abriu também o caminho à ratificação do Tratado de Lisboa na Polónia e na Chéquia. Na Polónia, o Presidente Kacziński tinha feito depender a sua assinatura deste documento dos bons resultados do referendo irlandês. Também o Presidente checo, Václav Klaus, quis primeiro aguardar o referendo irlandês e acabou ainda por fazer depender a aceitação do instrumento de ratificação da garantia de que os chamados Decretos Beneš, de 1945, que excluíam quaisquer exigências territoriais relativas a antigos territórios alemães incorporados na Chéquia, não pudessem de modo nenhum ser afetados pelo Tratado de Lisboa, e sobretudo pela Carta dos Direitos Fundamentais introduzida no Tratado da UE. Depois de se ter encontrado uma solução também para esta exigência, Klaus assinou, em 3 de novembro de 2009, o instrumento de ratificação, o que permitiu que se pudesse concluir com êxito o processo de ratificação, entrando o Tratado de Lisboa em vigor a 1 de dezembro de 2009.

Com o Tratado de Lisboa, a União Europeia e a Comunidade Europeia fundiram-se numa única União Europeia. A expressão «Comunidade» foi sistematicamente substituída pela expressão «União». A União substituiu e sucedeu à Comunidade Europeia. Contudo, o direito da UE continua a ser marcado pelos seguintes três tratados:

Tratados da UE atualmente em vigor

Tratado da União Europeia

O Tratado da União Europeia (Tratado da UE ou «TUE») está dividido em seis títulos: (I) Disposições comuns, (II) Disposições relativas aos princípios democráticos, (III) Disposições relativas às instituições, (IV) Disposições relativas às cooperações reforçadas, (V) Disposições gerais relativas à ação externa da União e disposições específicas relativas à política externa e de segurança comum, e (VI) Disposições finais.

Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) resulta do Tratado que institui a Comunidade Europeia (Tratado CE). Segue essencialmente a estrutura desse tratado. As mudanças fulcrais são a ação externa da UE e a introdução de novos capítulos, sobretudo relativos à política energética, cooperação entre autoridades policiais e judiciárias em matéria penal, viagens aeroespaciais e desporto e turismo.

Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica

O Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica (Tratado Euratom) foi modificado pontualmente. As modificações específicas foram incluídas nos protocolos anexos ao Tratado de Lisboa.

O Tratado da UE e o TFUE têm o mesmo valor jurídico, pelo que nenhum é superior ou está subordinado ao outro. Esta clarificação jurídica é necessária porque o tipo de densidade regulamentar nos dois Tratados e o novo título do antigo Tratado CE (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) dão a sensação de que o Tratado da UE seria uma espécie de lei fundamental ou tratado fundador, enquanto o TFUE parece antes ter sido concebido como tratado de execução. O Tratado da UE e o TFUE também não são formalmente constitucionais por natureza. A terminologia utilizada no conjunto dos tratados reflete esta alteração face ao anterior projeto constitucional: o termo «constituição» já não é utilizado, o «ministro dos Negócios Estrangeiros da UE» é referido como o «Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança», e as definições de «lei» e de «lei-quadro» foram abandonadas. De igual modo, os tratados modificados não contêm nenhum artigo em que seja feita referência a símbolos da UE como a bandeira ou o hino. O primado do direito da UE não é consagrado de forma expressa numa disposição de um tratado, mas resulta, tal como no passado, de uma declaração que faz referência à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia que é pertinente para a questão do primado.

 

O Tratado de Lisboa abandona, além disso, o «modelo de três pilares» da UE. Permanecem, no entanto, em vigor os procedimentos especiais no domínio da política externa e de segurança comum, incluindo a defesa europeia — as declarações da conferência intergovernamental, anexadas ao tratado, salientam o caráter específico desta política e as responsabilidades especiais dos Estados-Membros quanto a ela.

Adesão à UE

Na sequência da saída do Reino Unido, a UE conta atualmente com 27 Estados-Membros. Contam-se, em primeiro lugar, os seis países fundadores da CEE, a saber, a Bélgica, a Alemanha (que, com a reunificação dos dois estados alemães, em 3 de outubro de 1990, passou a integrar o território da ex-Alemanha de Leste), a França, a Itália, o Luxemburgo e os Países Baixos. Em 1 de janeiro de 1973, ingressaram na Comunidade a Dinamarca (agora com a exceção da Gronelândia, que em fevereiro de 1982 se pronunciou por escassa maioria contra a permanência na CE), a Irlanda e o Reino Unido (que deixou a UE em 31 de janeiro de 2020). A prevista adesão da Noruega acabou por não se concretizar devido aos resultados do referendo de outubro de 1972 (53,5 % de votos contra a adesão à UE).

O chamado «alargamento a sul» da UE realizou-se com a adesão da Grécia, em 1 de janeiro de 1981, e terminou com a adesão da Espanha e de Portugal, em 1 de janeiro de 1986. A este alargamento seguiu-se, em 1 de janeiro de 1995, a adesão da Áustria, da Finlândia e da Suécia à UE. Na Noruega, um referendo teve o mesmo resultado do que ocorrera 22 anos antes, com a população a pronunciar-se contra, por uma escassa maioria de 52,4 % de votos. Em 1 de maio de 2004, aderiram à UE os Estados bálticos Estónia, Letónia e Lituânia, os países da Europa Central e Oriental Chéquia, Hungria, Polónia, Eslovénia e Eslováquia bem como as duas ilhas mediterrânicas de Chipre e Malta. Pouco mais de dois anos depois, a adesão da Bulgária e da Roménia, em 1 de janeiro de 2007, deu seguimento ao alargamento a leste.

Em 1 de julho de 2013, a Croácia tornou-se no mais recente membro da UE. A população da União aumentou para os atuais 447 milhões de habitantes. Este alargamento histórico da UE constitui o cerne de um longo processo que veio permitir a reunião de povos europeus que haviam estado separados durante mais de 50 anos pela Cortina de Ferro e a Guerra Fria. Estes alargamentos refletem, acima de tudo, o desejo de promover a paz, a estabilidade e o bem-estar económico num continente europeu unido.

A UE mostra-se igualmente aberta à adesão de outros países, desde que estes cumpram os critérios de adesão formulados pelo Conselho Europeu de Copenhaga em 1993:

  • Critérios políticos: a estabilidade das instituições que garantem a democracia, o Estado de direito, os direitos humanos e o respeito pelas minorias e sua proteção.
  • Critérios económicos: a existência de uma economia de mercado que funcione efetivamente e a capacidade de responder à pressão concorrencial e às forças de mercado da UE.
  • Critérios jurídicos: a capacidade de assumir as obrigações decorrentes da adesão à UE, incluindo a aceitação dos objetivos de união política, económica e monetária.

O processo de adesão é composto por três fases, que devem ser aprovadas por todos os Estados-Membros que fazem atualmente parte da UE:

  1. É oferecida a um país a possibilidade de vir a ser membro;
  2. Um país recebe o estatuto oficial de país candidato à adesão uma vez satisfeitas as condições de adesão, contudo, tal não significa necessariamente que estejam abertas as negociações formais;
  3. Iniciam-se as negociações formais de adesão com o país candidato, nas quais se acordam as modalidades e os procedimentos de adoção da legislação aplicável da UE.

Uma vez concluídas a contento das partes as negociações e as reformas que as acompanham, as conclusões e as condições de adesão são incorporadas num tratado de adesão. Primeiro, o Parlamento Europeu tem de aprovar este tratado de adesão por maioria absoluta dos seus membros. O Conselho tem então de o aprovar por unanimidade. Posteriormente, o tratado de adesão deve ser assinado pelos Chefes de Estado ou de Governo da UE e pelo país candidato à adesão. O tratado de adesão é então ratificado pelos Estados-Membros da UE e pelo país candidato à adesão em conformidade com as respetivas normas constitucionais. Com o depósito dos instrumentos de ratificação, o processo de adesão é concluído e o tratado de adesão entra em vigor. O país candidato à adesão torna-se assim um Estado-Membro.

Atualmente, estão em curso negociações de adesão com a Turquia (desde 2005), Montenegro (desde 2012), a Sérvia (desde 2014) e a Albânia e a Macedónia do Norte (desde 2022).

A Turquia apresentou o seu pedido de adesão em 14 de abril de 1987. As relações entre a UE e a Turquia têm, no entanto, um historial ainda mais longo. Em 1963 havia já sido assinado um acordo de associação entre a CEE e a Turquia em que uma perspetiva de adesão era referida. Em 1995, foi criada uma união aduaneira e, em dezembro de 1999, foi atribuído oficialmente à Turquia, pelo Conselho Europeu de Helsínquia, o estatuto de país candidato à adesão, resultado da convicção de que o país possuía os pressupostos de base de um sistema democrático, ainda que com muito a fazer em matéria de respeito pelos direitos humanos e de proteção das minorias. Com base numa recomendação da Comissão, o Conselho Europeu deu finalmente luz verde, em dezembro de 2004, para se iniciarem as negociações de adesão com a Turquia. Estas tiveram início em outubro de 2005, mas continuam a revelar-se difíceis. Tal deve-se, por um lado, ao persistente mau desempenho em matéria de respeito pelos direitos humanos, Estado de direito, liberdade dos meios de comunicação social e luta contra a corrupção. Existe um obstáculo adicional: apenas será possível abrir oito capítulos à negociação e encerrar provisoriamente os capítulos já negociados depois de a Turquia ratificar o protocolo adicional relativo a Chipre anexo ao Acordo de Ancara. O derradeiro objetivo destas negociações é a adesão. Não há, no entanto, nenhuma garantia de que venha a ser alcançado.

A Islândia apresentou o seu pedido de adesão em 17 de julho de 2009. As negociações de adesão iniciaram-se formalmente em 2010. Inicialmente, as negociações progrediram bem, mas, depois de uma mudança de governo, pararam acabando por ser totalmente abandonadas. A Islândia retirou o seu pedido de adesão em 12 de março de 2015.

Em 2022, a UE concedeu o estatuto de país candidato à Bósnia-Herzegovina, à Moldávia e à Ucrânia. A possibilidade de uma futura adesão à UE foi também oferecida ao Kosovo (1) e à Geórgia.

Também são tomadas previdências relativamente a uma saída da UE: no Tratado da UE foi introduzida uma cláusula de saída (artigo 50.º do Tratado da UE), que permite a um Estado-Membro abandonar a UE. Não há condições para uma saída da UE, é apenas necessário um acordo entre a UE e o Estado-Membro em causa sobre as condições da sua saída. Se não for possível chegar a acordo, a saída torna-se efetiva sem nenhum acordo dois anos após a notificação da intenção de sair. Não há, contudo, nenhuma disposição sobre a exclusão de um Estado-Membro da UE contra a sua vontade declarada, mesmo em caso de graves e repetidas violações dos tratados.

Esta opção de saída foi exercida mais cedo do que seria expectável. Em 23 de junho de 2016, num referendo sobre a adesão do Reino Unido à UE, 51,9 % dos cidadãos britânicos (taxa de participação de 72,2 %) votaram contra a permanência na União Europeia. Esse referendo resultou, em 29 de março de 2017, na apresentação formal ao Conselho Europeu da notificação de saída do Reino Unido da UE e da Comunidade Europeia da Energia Atómica. Três anos após o referendo no Reino Unido, e na sequência de negociações extremamente turbulentas sobre o acordo de saída, este entrou finalmente em vigor, em 31 de janeiro de 2020, oficializando a saída do Reino Unido, 47 anos após a sua adesão à UE. Terminado o período de transição em 31 de dezembro de 2020, o Reino Unido abandonou definitivamente a UE em 1 de janeiro de 2021, deixando assim de fazer parte, nomeadamente, do mercado único europeu, da união aduaneira, das políticas da UE e dos acordos comerciais da UE. As futuras relações da UE com o Reino Unido enquanto país terceiro estão estabelecidas no Acordo de Comércio e Cooperação, acordo bilateral que, juntamente com o Acordo de Saída, no qual foram regulados os princípios básicos da saída, e com a Declaração Política, que estabelece o quadro para as negociações sobre as relações futuras entre o Reino Unido e a União Europeia, constitui um elemento central da saída.

Dois aspetos do Acordo de Saída merecem especial atenção:

  • O problema da fronteira irlandesa

A fim de evitar a criação de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a Irlanda, a UE solicitou uma proposta de «mecanismo de salvaguarda», que, no entanto, teria forçado praticamente todo o Reino Unido a criar uma união aduaneira com a UE. Esta possibilidade ameaçava tornar impossível qualquer acordo, mas, à última hora, foi concluído um acordo aceitável para ambas as partes. Um protocolo do Acordo de Saída estabelece inequivocamente que a Irlanda do Norte faz parte do território aduaneiro do Reino Unido. Os acordos comerciais que o Reino Unido possa celebrar após o termo do período de transição e a saída do país da união aduaneira da UE serão igualmente aplicáveis e sem restrições na Irlanda do Norte. A Irlanda do Norte terá, assim, uma fronteira com a Irlanda e, por conseguinte, com o mercado interno e a união aduaneira da UE, o que, em teoria, também exigiria controlos de mercadorias nessa fronteira. Contudo, isso estaria em conflito com o Acordo de Sexta-Feira Santa (Acordo de Belfast) de 1998, assinado após 30 anos de violência na Irlanda do Norte. Por conseguinte, o Acordo de Saída prevê que a fronteira aduaneira entre o Reino Unido e a UE seja transferida para o mar entre o Reino Unido e a Irlanda do Norte. Por conseguinte, a Irlanda do Norte continua sujeita a todas as regulamentações pertinentes da UE em matéria aduaneira e de mercado, em especial as relativas à circulação de mercadorias, às normas sanitárias, às normas de produção, às modalidades de venda dos produtos agrícolas, ao IVA e aos impostos especiais de consumo, e às regras em matéria de controlo dos auxílios estatais. As mercadorias produzidas na Irlanda do Norte podem, assim, ser introduzidas na Irlanda (e a partir daí transportadas para qualquer lugar na UE) sem controlos de fronteira. Todas as outras mercadorias e produtos importados para a Irlanda do Norte serão controlados pelas autoridades aduaneiras do Reino Unido nos portos ou aeroportos. Nesse contexto, importa sobretudo determinar se as mercadorias e os produtos em questão se destinam exclusivamente a um dos mercados do Reino Unido ou se implicam o «risco» de serem introduzidos no mercado da União através da República da Irlanda. Um comité misto procurará estabelecer limites a este «risco» e prever exceções com base em determinados critérios (natureza e valor da mercadoria, utilização para consumo direto ou para transformação posterior, probabilidade de abuso, etc.). O tratamento aduaneiro dependerá então da atribuição ao respetivo território aduaneiro: sempre que a mercadoria se destine ao mercado na Irlanda do Norte, as regras aduaneiras do Reino Unido são plenamente aplicáveis; se, por outro lado, houver um «risco» de essas mercadorias transitarem posteriormente para o mercado interno da UE, aplica-se a legislação aduaneira da UE. Após o período de transição o parlamento da Irlanda do Norte pode decidir, por maioria simples, de quatro em quatro anos, se deseja continuar a aplicar as regras da UE. Em caso de decisão negativa, os regulamentos da UE deixarão também de ser válidos na Irlanda do Norte após dois anos. Nesse caso, outra solução teria de ser encontrada no prazo de dois anos, a fim de evitar uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda.

  • Direitos recíprocos dos cidadãos

Tendo em conta que 3,2 milhões de cidadãos da União residem no Reino Unido e que 1,2 milhões de cidadãos do Reino Unido vivem na UE, a questão da proteção recíproca dos direitos dos cidadãos é uma prioridade absoluta. Ao abrigo do Acordo de Saída, os cidadãos da União e os nacionais do Reino Unido que tenham exercido o seu direito de residir nos respetivos territórios antes do termo do período de transição (31 de dezembro de 2020) e que continuem a residir no país após esse período beneficiam, durante toda a vida, de todos os direitos de que gozavam antes da saída. Isto aplica-se, também, aos membros da família destes cidadãos. Mesmo após o termo do período de transição, podem continuar a viver, trabalhar ou estudar nesse país. Os respetivos cônjuges, filhos ou netos que vivam noutro país podem, em qualquer momento, deslocar--se para o território onde vive o membro da família. Os beneficiários conservam igualmente todos os direitos a cuidados de saúde e a outras prestações de segurança social. É assegurado o reconhecimento mútuo das qualificações profissionais. Qualquer discriminação em função da nacionalidade continuará a ser proibida, mesmo após o período de transição. Os cidadãos gozam de plena igualdade de tratamento, em especial no que à igualdade de direitos e de oportunidades no acesso ao emprego e à educação diz respeito. No entanto, esses direitos deixarão de ser automaticamente aplicáveis. Assim, por exemplo, os cidadãos da UE tiveram de provar o seu estatuto de residentes no Reino Unido até junho de 2021. Se o prazo não foi cumprido, esse estatuto só pode ser obtido se houver razões imperiosas para a apresentação tardia do pedido.

O Acordo de Comércio e Cooperação foi assinado em 30 de dezembro de 2020. Foi aplicado a título provisório a partir de 1 de janeiro de 2021 e entrou em vigor a título definitivo em 1 de maio de 2021.

O Acordo de Comércio e Cooperação estabelece, nomeadamente, uma parceria económica abrangente. Esta baseia-se, essencialmente, num acordo de comércio livre que não prevê direitos aduaneiros nem contingentes, evitando assim entraves significativos ao comércio. No entanto, essa parceria também necessita de condições de concorrência equitativas. Foi nesse sentido que ambas as partes acordaram regras de amplo alcance para garantir uma concorrência leal. Estas dizem respeito aos auxílios estatais, bem como às normas de proteção dos consumidores, à proteção dos trabalhadores, ao ambiente e ao clima. Não poderia falar-se de uma verdadeira parceria económica se as relações futuras não fossem além das meras questões comerciais. Por conseguinte, a UE e o Reino Unido chegaram também a acordo sobre o quadro da futura cooperação em muitos outros domínios, como sejam: serviços, qualificações profissionais, contratos públicos, questões ambientais e energéticas, transporte de mercadorias por via aérea, marítima e ferroviária, e disposições em matéria de segurança social e de investigação e desenvolvimento. Nos termos do acordo, o Reino Unido continuará a participar em vários programas da UE. A fim de ter em conta a estreita interdependência e proximidade geográfica entre a UE e o Reino Unido, o acordo estabelece igualmente uma estreita parceria em matéria de segurança, a qual permite a cooperação nos domínios da justiça e dos assuntos internos. Concretamente, isto significa que ambas as partes irão continuar a sua estreita cooperação na luta contra a criminalidade, nomeadamente, através da Europol (Agência da União Europeia para a Cooperação Policial), e a coordenar as suas ações de combate ao branqueamento de capitais, à criminalidade transnacional e ao terrorismo. O acordo regula igualmente o intercâmbio de dados, por exemplo, registos de identificação dos passageiros ou as informações constantes dos registos criminais. Contrariamente ao desejo da UE, o acordo não contém nenhumas disposições em matéria de cooperação no domínio da política externa e de segurança. A UE e o Reino Unido continuam a ser parceiros importantes no seio da OTAN, da OSCE e das Nações Unidas.

OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA

Artigo 2.º do TUE (Valores da União)

A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos Humanos, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados--Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, não discriminação, tolerância, justiça, solidariedade e igualdade entre homens e mulheres.

Artigo 3.º do TUE (Objetivos da União)

  1. A União tem por objetivo promover a paz, os seus valores e o bem-estar dos seus povos.
  2. A União proporciona aos seus cidadãos um espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas, em que seja assegurada a livre circulação de pessoas, em conjugação com medidas adequadas em matéria de controlos na fronteira externa, de asilo e imigração, bem como de prevenção da criminalidade e combate a este fenómeno.
  3. A União estabelece um mercado interno. Empenha-se no desenvolvimento sustentável da Europa, assente num crescimento económico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social, e num elevado nível de proteção e de melhoramento da qualidade do ambiente. A União fomenta o progresso científico e tecnológico.

    A União combate a exclusão social e as discriminações e promove a justiça e a proteção sociais, a igualdade entre homens e mulheres, a solidariedade entre as gerações e a proteção dos direitos da criança.

    A União promove a coesão económica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados-Membros.

    A União respeita a riqueza da sua diversidade cultural e linguística e vela pela salvaguarda e pelo desenvolvimento do património cultural europeu.

  4. A União estabelece uma união económica e monetária cuja moeda é o euro.
  5. Nas suas relações com o resto do mundo, a União afirma e promove os seus valores e interesses e contribui para a proteção dos seus cidadãos. Contribui para a paz, a segurança, o desenvolvimento sustentável do planeta, a solidariedade e o respeito mútuo entre os povos, o comércio livre e equitativo, a erradicação da pobreza e a proteção dos direitos humanos, em especial os da criança, bem como para a rigorosa observância e desenvolvimento do direito internacional, nomeadamente o respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas.

A construção de uma Europa unida assenta em princípios fundamentais a que os Estados-Membros reconhecem estar obrigados no artigo 2.º do TUE e cuja concretização na prática cabe aos órgãos executivos da UE. Estes valores fundamentais incluem o respeito pela dignidade humana, a igualdade, a liberdade e a solidariedade. A UE assume o compromisso expresso de garantir todos os princípios, comuns a todos os Estados-Membros, da democracia e do Estado de direito, bem como a proteção dos direitos humanos.

Estes valores não se limitam a servir de diretrizes para países que pretendam aderir à UE. Violações graves e persistentes destes valores e princípios por parte de um Estado-Membro podem dar origem a uma sanção nos termos do artigo 7.º do TUE. Antes de mais, os Chefes de Estado ou de Governo no Conselho Europeu devem determinar unanimemente a existência de uma violação grave e persistente dos valores e dos princípios da União. Esta determinação é feita pelos Chefes de Estado ou de Governo numa proposta de um terço dos Estados-Membros ou da Comissão Europeia e após obter a aprovação do Parlamento Europeu. O Conselho da União Europeia pode então, deliberando por maioria qualificada, suspender alguns dos direitos decorrentes da aplicação do Tratado da UE e do TFUE ao Estado-Membro em causa, incluindo os direitos de voto no Conselho. Os deveres decorrentes dos Tratados continuarão, pelo contrário, a vincular o Estado-Membro em questão. Também os efeitos sobre os direitos e respetivas obrigações dos cidadãos e das empresas serão especialmente tomados em consideração.

A União Europeia, um bastião de paz

Não há motivação mais poderosa para a unificação europeia que a necessidade de paz (cf. artigo 3.º do TUE). No séc. XX, duas guerras mundiais opuseram países europeus que hoje fazem parte da União Europeia. Assim sendo, uma política para a Europa traduz-se ao mesmo tempo numa política para a paz. A criação da UE constitui o ponto central de um quadro de paz na Europa, tornando impossível uma guerra entre os Estados-Membros. Prova disso são mais de 70 anos de paz na Europa. Quantos mais países europeus aderirem à UE, mais reforçado fica este quadro de paz. Os alargamentos mais recentes da UE deram um grande contributo neste aspeto. Em 2012, a UE recebeu o Prémio Nobel da Paz pelo papel desempenhado em defesa das causas da paz, da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa.

Mas a paz na Europa não pode ser tomada como certa, como se vê pela agressão militar não provocada e injustificada da Rússia contra a Ucrânia. Pelo contrário, a União tem de desempenhar um papel de consolidação da paz além da zona de paz criada na UE. A cooperação entre os Estados-Membros em matéria de política externa e de segurança é suscetível de proporcionar melhores oportunidades para esse efeito.

A unidade e a igualdade como fios condutores

A unidade é um fio condutor da UE. Os grandes problemas da atualidade só podem ser ultrapassados se os países europeus falarem e agirem em uníssono, preservando simultaneamente a sua diversidade. Muitos são aqueles que pensam que a paz na Europa e no mundo, a democracia e o Estado de direito, a prosperidade económica e o bem-estar social não poderiam ser assegurados, no presente e no futuro, sem a integração europeia. As alterações climáticas, o desemprego, o crescimento insuficiente, a segurança do aprovisionamento energético e a poluição ambiental deixaram há muito de ser problemas meramente nacionais, nem tão pouco podem ser resolvidos ao nível nacional. Só no quadro da UE se pode estabelecer uma ordem económica estável e só através de um esforço europeu comum se pode realizar uma política económica internacional que reforce a competitividade da economia europeia, apoiando simultaneamente a concretização dos objetivos climáticos e a consolidação do Estado de direito social. Sem coesão interna, a Europa não pode afirmar a sua independência política e económica perante o resto do mundo, recuperar a sua influência no panorama internacional e ter um papel interveniente na política mundial.

A unidade só pode existir se predominar a igualdade. Nenhum cidadão da União pode ser colocado em desvantagem, isto é, discriminado em função da sua nacionalidade. É necessário combater a discriminação baseada no género, raça, origem étnica, religião ou ideologia, deficiência, idade ou orientação sexual. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia vai ainda mais longe. Qualquer discriminação em virtude da cor da pele, de características genéticas, da língua, das opiniões políticas ou de outro cariz, da pertença a uma minoria nacional, da fortuna ou do local de nascimento é doravante proibida. Além disso, todos os cidadãos da UE são iguais perante a lei. Em relação aos Estados-Membros, nenhum deve beneficiar de posições privilegiadas, e o princípio da igualdade exige que diferenças naturais, como a superfície, o número de habitantes de um país e as disparidades estruturais, sejam consideradas à luz do princípio da igualdade.

As liberdades fundamentais

A liberdade é o corolário da paz, da igualdade e da unidade. A criação de um espaço mais vasto, composto agora por 27 Estados, garante simultaneamente a liberdade de circulação além das fronteiras nacionais, nomeadamente: a liberdade de circulação de trabalhadores, a liberdade de estabelecimento, a liberdade de prestação de serviços, a liberdade de circulação de mercadorias e a liberdade de circulação de capitais. Estas liberdades fundamentais permitem aos empresários decidir livremente, aos trabalhadores escolher o seu local de trabalho e aos consumidores escolher livremente entre uma diversidade enorme de produtos. A livre concorrência permite às empresas orientarem a sua oferta para um círculo incomparavelmente maior de consumidores. O trabalhador escolhe ou muda de emprego em função das suas expectativas e interesses em todo o espaço da UE. O consumidor consegue, devido a uma concorrência mais forte, ter uma oferta consideravelmente maior dos melhores e mais baratos produtos.

É frequente o tratado de adesão estabelecer disposições transitórias para a adesão de um país à UE, especialmente no que à livre circulação de trabalhadores, à liberdade de prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento diz respeito. Estas regras permitem que os Estados-Membros «mais antigos» da UE utilizem o direito nacional ou acordos bilaterais existentes para controlar o exercício destas liberdades fundamentais pelos nacionais dos novos Estados-Membros durante um período que pode chegar a sete anos.

O princípio da solidariedade

A solidariedade é o necessário elemento corretivo da liberdade. A utilização desmedida desta faz-se sempre em detrimento de outrem. Por isso, uma ordem da UE, para ser duradoura, tem de reconhecer também a solidariedade entre os seus membros como princípio fundamental e partilhar uniforme e equitativamente tanto as vantagens, isto é, a prosperidade, como os custos.

O respeito pela identidade nacional

As identidades nacionais dos Estados-Membros devem ser respeitadas. Os Estados-Membros não devem «dissipar-se» na UE, mas antes trazer para esta as suas características particulares. É à diversidade das características e das identidades nacionais que a UE vai buscar a sua força espiritual e moral, colocando-a ao serviço de todos.

A necessidade de segurança

Todos estes valores fundamentais dependem, em última instância, da segurança. Em especial desde o ataque de 11 de setembro de 2001 nos EUA e atendendo ao crescente número de ataques terroristas cada vez mais cruéis na Europa, a luta contra o terrorismo e a criminalidade organizada na Europa volta a estar novamente no centro das atenções. A cooperação policial e judiciária está a ser permanentemente aprofundada, enquanto se reforça a proteção das fronteiras externas comuns da UE.

No entanto, segurança europeia significa também segurança social para todos os cidadãos que vivem na UE, segurança do trabalho e condições gerais económicas e comerciais seguras. Nessa medida, os órgãos da UE são chamados a criar as condições necessárias para que cidadãos e empresas possam encarar o futuro com segurança.

Os direitos fundamentais

Entre os valores e princípios fundamentais da UE figuram também os direitos fundamentais de cada cidadão. A História europeia caracteriza-se, há mais de dois séculos, por esforços constantes para reforçar a proteção dos direitos fundamentais. Desde as declarações dos direitos humanos e civis no séc. XVIII que os direitos e as liberdades fundamentais estão consagrados na maior parte das constituições dos países civilizados. É o que acontece, especialmente, nos Estados-Membros da UE, cujas ordens jurídicas assentam na salvaguarda dos direitos, assim como no respeito pela dignidade, liberdade e possibilidades de realização da pessoa humana. Existem também numerosas convenções internacionais sobre a proteção dos direitos humanos, entre as quais se destaca, pela importância excecional de que se reveste para a Europa, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH).

Foi só a partir de 1969 que o Tribunal de Justiça da União Europeia estabeleceu uma jurisprudência constante como enquadramento da proteção dos direitos fundamentais. Antes dessa data, o Tribunal de Justiça rejeitara todas as ações relativas a direitos fundamentais, alegando que as questões de direito constitucional nacional não eram da sua competência. Esta posição acabou por ter de ser revista, e por força de um princípio que o próprio Tribunal de Justiça estabelecera, a saber, o do primado do direito da UE sobre o direito nacional, já que este primado só vale se o direito da UE puder garantir uma salvaguarda dos direitos fundamentais equivalente à das constituições nacionais.

O ponto de partida desta jurisprudência foi o acórdão Stauder, no qual o beneficiário de uma pensão de guerra considerou uma violação da sua dignidade pessoal e do princípio da igualdade o facto de ter de se identificar para poder comprar manteiga a preços reduzidos por altura do Natal. Embora o Tribunal de Justiça tenha começado por considerar que, de acordo com as disposições da União, não era obrigatória a identificação, e que por isso se tornava desnecessário examinar o modo como o direito fora violado, acabou por reconhecer que o respeito pelos direitos fundamentais fazia parte dos princípios gerais da ordem jurídica comunitária e que lhe competia fazê-los respeitar. O Tribunal reconheceu assim, e pela primeira vez, a existência de um regime autónomo de direitos fundamentais na UE.

O Tribunal de Justiça começou por fixar salvaguardas pontuais dos direitos fundamentais com base num conjunto de disposições dos Tratados, tendo procedido desta forma sobretudo em relação às inúmeras proibições de discriminação, as quais constituem emanações dos diferentes aspetos do princípio geral da igualdade. Merecem referência a proibição de toda e qualquer discriminação em função da nacionalidade (artigo 18.º do TFUE), o combate a qualquer discriminação em razão do género, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual (artigo 10.º do TFUE), a igualdade de mercadorias e pessoas no domínio das quatro liberdades fundamentais — circulação de mercadorias, (artigo 34.º do TFUE), circulação de pessoas, (artigo 45.º do TFUE), liberdade de estabelecimento, (artigo 49.º do TFUE) livre prestação de serviços, (artigo 57.º do TFUE), livre concorrência (artigo 101.º e ss. do TFUE), bem como a igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos (artigo 157.º do TFUE). São ainda expressamente garantidos a liberdade de associação (artigo 169.º do TFUE), o direito de petição (artigo 24.º do TFUE) e a proteção do segredo comercial e profissional (artigo 339.º do TFUE).

O Tribunal de Justiça prosseguiu paulatinamente o desenvolvimento de uma ordem jurídica na UE de salvaguarda dos direitos fundamentais, à qual foi aditando novos direitos fundamentais. Para tal, reconheceu princípios jurídicos gerais e aplicou-os, inspirando-se nas tradições constitucionais comuns dos Estados-Membros e nas convenções internacionais sobre proteção dos direitos humanos, de que estes são partes signatárias. Entre estes textos conta-se particularmente a CEDH, que determinou o conteúdo dos direitos fundamentais da União relativamente aos mecanismos de proteção. Partindo desta base, o Tribunal de Justiça reconheceu diversas liberdades como direitos básicos garantidos pelo direito da UE: o direito de propriedade, a liberdade de exercício de uma atividade profissional, a inviolabilidade da habitação, a liberdade de opinião, o direito moral de cariz geral, a proteção da família (por exemplo no domínio do direito de reunião para familiares de trabalhadores imigrantes), a liberdade económica, a liberdade religiosa e de culto, bem como uma série de direitos processuais fundamentais como o princípio do direito de ação judicial, o princípio de garantia da confidencialidade da correspondência trocada com o advogado (as chamadas «comunicações privilegiadas»), a proibição da dupla punição ou o dever de fundamentação dos atos jurídicos da UE.

Uma locomotiva em grande plano e um trabalhador da construção, vestido com equipamento de segurança, no lado direito da plataforma, a supervisionar a locomotiva.

O processo Eugen Schmidberger relacionado com uma manifestação na autoestrada de Brenner que resultou no corte total da autoestrada ao tráfego rodoviário durante 30 horas.

Um princípio de grande significado, frequentemente evocado em litígios de direito comunitário, é o da igualdade de tratamento. Em termos gerais, esse princípio dispõe que factos equiparáveis não podem ser objeto de tratamento diferenciado, a não ser que seja provada objetivamente a existência de uma diferenciação. A jurisprudência do Tribunal de Justiça também deu à UE um número considerável de princípios do Estado de direito relacionados com os direitos fundamentais. Para efeitos práticos, o princípio da proporcionalidade é o mais importante. Este princípio significa o exame atento dos objetivos e dos meios empregados, o que abrange, por sua vez, os aspetos da adequação e da necessidade da medida em causa, bem como o da proibição da intervenção excessiva. Importa também incluir nos princípios fundamentais subjacentes ao direito da UE os princípios gerais do direito administrativo e das garantias processuais dos administrados («due process»), como, por exemplo, a garantia da confidencialidade, a proibição da retroatividade das disposições mais gravosas e a proibição de anular ou declarar retroativamente nulos atos constitutivos de direitos ou benefícios, bem como o direito de ação judicial, que está consubstanciado tanto nos procedimentos administrativos da Comissão Europeia como na possibilidade de recorrer ao Tribunal de Justiça. Ganha particular relevo, neste contexto, a exigência de transparência acrescida, que implica que as decisões sejam tomadas de forma tão aberta e próxima do cidadão quanto possível. Um elemento essencial desta transparência é que qualquer cidadão da União ou qualquer pessoa coletiva estabelecida num Estado-Membro tem direito de aceder aos documentos do Conselho e da Comissão Europeia. Todos os subsídios e subvenções provenientes do orçamento da UE e que se destinem a pessoas singulares ou coletivas devem ser divulgados, existindo para isso bases de dados que qualquer cidadão da União pode consultar livremente.

Embora se reconheça o trabalho realizado pelo Tribunal de Justiça na definição dos direitos fundamentais não escritos, este processo de determinação dos «direitos fundamentais europeus» apresentava uma grande lacuna: o Tribunal tinha de se limitar ao caso concreto em apreço. É por isso que não conseguiu deduzir direitos fundamentais de princípios gerais do direito em todos os domínios onde isso parece ser necessário ou desejável. Também não lhe foi possível determinar a extensão e os limites da proteção destes direitos procedendo às generalizações e diferenciações necessárias. Este sistema não permitia, por isso, às instituições da UE avaliar com a precisão necessária se corriam ou não o risco de violar um direito fundamental. Da mesma forma, seria impossível para qualquer cidadão da União determinar facilmente e em cada caso se teria ou não havido uma violação dos seus direitos fundamentais.

Durante muito tempo, a adesão da UE à CEDH foi considerada como uma forma de sair desta situação. Contudo, no parecer 2/94, o Tribunal de Justiça considerou que, no estado em que se encontrava na altura o direito da UE, esta não tinha competência para aderir à referida convenção. O Tribunal de Justiça declarou que o respeito pelos direitos humanos era uma condição para a legalidade dos atos da União. No entanto, a adesão à convenção exigiria uma alteração substancial do regime da União nesse momento, pois teria implicado a inserção da UE num sistema institucional distinto de direito internacional, que é o da convenção, e a transposição de todas as disposições da convenção para a ordem jurídica da UE. O Tribunal considerou que uma tal modificação do regime de proteção dos direitos humanos na UE, pelas suas implicações institucionais tanto para a UE como para os Estados-Membros, revestiria de uma envergadura constitucional que, pela sua natureza, ultrapassava os poderes conferidos pelo artigo 352.º do TFUE. A solução para esta questão surgiu com o Tratado de Lisboa. A adesão da UE à CEDH encontra-se agora expressamente prevista no artigo 6.º, n.º 2, do TUE. As negociações relativas à adesão foram assim prontamente reiniciadas em 2010. Na primavera de 2013, chegou-se a um acordo quanto ao projeto do acordo de adesão. A Comissão enviou o projeto ao Tribunal de Justiça e solicitou o parecer deste sobre a compatibilidade do acordo com o direito da UE. No seu parecer 2/13, o Tribunal de Justiça concluiu que, tal como estava projetado, o acordo de adesão da UE à CEDH não era compatível com o direito da UE, já que era suscetível de lesar, em vários aspetos, as características específicas e a autonomia do direito da UE.

A empresa transportadora Schmidberger pediu à República da Áustria — cujas autoridades não tinham proibido a manifestação — uma indemnização pelas perdas incorridas em resultado do corte. O Tribunal de Justiça decidiu que a não proibição da demonstração restringiu efetivamente a livre circulação de mercadorias, mas que podia ser objetivamente justificada. Afirmou que a decisão respeitou os direitos fundamentais dos manifestantes à liberdade de expressão e liberdade de reunião, que estão garantidos na constituição austríaca e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos. O Tribunal considerou assim que não se podia imputar às autoridades austríacas uma violação do direito comunitário suscetível de desencadear a responsabilidade do Estado-Membro em causa.

Uma das principais críticas, neste contexto, salientava que, caso a UE aderisse à CEDH, o Tribunal de Justiça teria de se submeter às decisões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, ficando também a política externa e de segurança comum da União sujeita à supervisão dos direitos humanos pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Os juízes consideraram que tal seria contrário a importantes princípios estruturantes da UE. Embora, em teoria, a adesão da União Europeia à CEDH continue a ser possível após esta decisão, na prática está, de momento, fora de questão, uma vez que há vários aspetos técnicos no documento de adesão que necessitam de ser previamente alterados.

Independentemente da questão da adesão da UE à CEDH, o Tratado de Lisboa representou um novo e decisivo passo na criação de uma ordem jurídica de direitos fundamentais para a UE, e colocou a proteção dos direitos fundamentais na União num novo patamar. Um novo artigo sobre os direitos fundamentais (artigo 6.º do TUE) sujeita a atuação das instituições e dos Estados-Membros da UE, no sentido em que estes aplicam e executam o direito da UE, à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que é juridicamente vinculativa ao nível da UE através de uma referência nesse artigo. Esta Carta dos Direitos Fundamentais resulta de um texto elaborado por uma convenção composta por 16 representantes dos Chefes de Estado ou de Governo dos Estados-Membros e do Presidente da Comissão Europeia, 16 deputados do Parlamento Europeu e 30 deputados nacionais (dois de cada um dos então 15 Estados-Membros), sob a presidência do Prof. Roman Herzog, que viria a ser oficialmente proclamado pelos Presidentes do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão Europeia, na abertura do Conselho Europeu de 7 de dezembro de 2000 realizado em Nice, como «Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia». No decurso das consultas sobre uma constituição europeia, a Carta dos Direitos Fundamentais viria a ser revista, tornando-se parte integrante do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa de 29 de outubro de 2004. Após o fracasso do tratado, a Carta dos Direitos Fundamentais foi de novo oficialmente proclamada «Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia», desta vez como ato jurídico autónomo, pelos Presidentes do Parlamento Europeu, do Conselho da UE e da Comissão Europeia em 12 de dezembro de 2007, em Estrasburgo. O Tratado da UE remete agora para o texto da Carta de uma forma vinculativa, conferindo-lhe um caráter vinculativo e estabelecendo simultaneamente o âmbito de aplicação dos direitos fundamentais no direito da UE. No entanto, esta disposição não se aplica à Polónia, uma vez que este Estado-Membro não quis subordinar o regime dos direitos fundamentais à Carta por recear que, com a aplicação dos direitos fundamentais consagrados na Carta, determinadas posições nacionais, designadamente em questões de religião ou crença, poderiam ter de deixar de existir ou, pelo menos, ser alteradas. Para a Polónia, o caráter vinculativo dos direitos fundamentais não resulta da Carta dos Direitos Fundamentais, mas, tal como antes, da jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE em matéria de direitos fundamentais.

OS MÉTODOS PARA UNIFICAR A EUROPA

A unificação europeia caracteriza-se por dois conceitos diferentes definidores da forma como os países da Europa trabalham em conjunto: cooperação e integração. A cooperação reforçada surgiu como um outro método.

Cooperação entre os Estados-Membros

A essência da cooperação traduz-se no facto de os Estados-Membros estarem preparados para ir além das suas fronteiras nacionais para trabalhar em conjunto com outros Estados-Membros, mas só se a sua soberania nacional for preservada, por uma questão de princípio. Por conseguinte, os esforços de unificação baseados na cooperação não visam criar um novo e único Estado, limitam-se a estabelecer ligações entre Estados soberanos com vista a formar uma federação de Estados em que as estruturas nacionais são preservadas (confederação). Os métodos de trabalho do Conselho da Europa e da OCDE são coerentes com o princípio da cooperação.

O conceito da integração

O conceito da integração transcende a tradicional existência paralela de Estados-nação. A noção tradicional de que a soberania dos Estados é inviolável e indivisível é preterida a favor da convicção de que a ordem imperfeita da coexistência humana e nacional, a desadequação inerente do sistema nacional e os muitos exemplos na História europeia em que um Estado impõe o seu poder em relação a outro (hegemonia) só podem ser superados se as soberanias nacionais individuais se reunirem para criar uma soberania comum e, a um nível mais elevado, se fundirem numa comunidade supranacional (federação).

A UE é uma criação deste conceito de integração, sem a fusão da soberania nacional. Os Estados-Membros não estavam preparados para abdicar da estrutura dos respetivos Estados-nação — que tinham acabado de recuperar e que depois consolidaram após a segunda Guerra Mundial — em prol de uma confederação europeia. Como tal, uma vez mais, houve necessidade de encontrar um compromisso que, sem ter de criar uma confederação europeia, assegurasse mais que uma mera cooperação entre Estados. A solução consistiu em estreitar progressivamente o fosso entre a conservação da independência nacional e uma confederação europeia. Não foi pedido aos Estados-Membros que abdicassem totalmente da sua soberania, foi-lhes pedido apenas que não a considerassem indivisível. Assim, tratou-se somente de identificar domínios em que os Estados-Membros estivessem preparados para renunciar voluntariamente a parte da sua soberania em prol de uma comunidade que estava acima de todos eles. Os três tratados fundadores — CECA, C(E)E e Euratom — refletem o resultado destes esforços.

Estes tratados e os atuais tratados da União especificam os domínios em que os direitos de soberania foram transferidos para a UE. Neste contexto, não foi concedido à UE e às suas instituições um qualquer poder geral para tomar as medidas necessárias para alcançar os objetivos dos tratados, em vez disso a natureza e extensão dos poderes para agir encontram-se nas respetivas disposições dos tratados (princípio da atribuição de competências específicas). Desta forma, os Estados-Membros podem monitorizar e controlar os poderes de que abdicam.

Cooperação reforçada

O instrumento da cooperação reforçada constitui a base para implementar a ideia de integração a várias velocidades. A ideia é que mesmo grupos relativamente pequenos de Estados-Membros têm a oportunidade de aumentar o seu nível de integração num determinado domínio abrangido pelas competências da UE sem serem prejudicados por Estados-Membros que estejam relutantes ou indisponíveis para o fazer.

Uma vez que as condições e os procedimentos para a utilização deste instrumento eram originalmente muito restritos (Tratado de Amesterdão), estes foram um pouco aliviados aquando do alargamento da UE (Tratado de Nice). O Tratado de Lisboa combina as anteriores disposições sobre cooperação reforçada no artigo 20.º do TUE (condições-quadro) e nos artigos 326.º a 334.º do TFUE (condições complementares, participação, procedimentos, regras de votação).

As regras relativas à cooperação reforçada podem ser resumidas da seguinte forma:

  • Tal cooperação só pode ser utilizada no âmbito das competências existentes na UE e deve favorecer a realização dos objetivos da União e reforçar o processo de integração europeia (artigo 20.º do TUE). Por conseguinte, é incapaz de atenuar as lacunas da união económica e monetária que já se encontram na própria arquitetura dos Tratados da UE. A cooperação reforçada não pode minar o mercado interno nem a coesão económica e social da UE. Além disso, não pode constituir uma restrição ou uma discriminação ao comércio entre os Estados-Membros nem provocar distorções de concorrência (artigo 326.º do TFUE). As competências, direitos, deveres e interesses dos Estados-Membros não participantes devem ser respeitados (artigo 327.º do TFUE).
  • A cooperação reforçada tem de estar aberta a todos os Estados--Membros. Adicionalmente, os Estados-Membros também devem poder a qualquer momento participar na cooperação, desde que respeitem as decisões tomadas no âmbito da cooperação reforçada. A Comissão e os Estados-Membros devem assegurar a participação do maior número possível de Estados-Membros na cooperação reforçada (artigo 328.º do TFUE).
  • A cooperação reforçada só pode ser iniciada como último recurso, quando se estabelecer no Conselho que os seus objetivos não podem ser atingidos, num prazo razoável, através da aplicação das disposições pertinentes dos tratados. O número mínimo de Estados--Membros para se estabelecer uma cooperação reforçada é nove (artigo 20.º, n.º 2, do TUE).
  • Os atos adotados no âmbito de uma cooperação reforçada não são considerados parte do acervo da UE. Estes atos apenas têm aplicabilidade direta nos Estados-Membros que participam no processo de tomada de decisão (artigo 20.º, n.º 4, do TUE). Contudo, os Estados-Membros que não participam no processo não podem impedir a aplicação desses atos.
  • As despesas decorrentes da cooperação reforçada, que não sejam custos administrativos, devem ser financiadas pelos Estados- -Membros participantes, salvo decisão em contrário do Conselho, deliberando por unanimidade de todos os membros que o compõem, após consulta ao Parlamento Europeu (artigo 332.º do TFUE).
  • O Conselho e a Comissão garantem a coerência das ações empreendidas no âmbito de uma cooperação reforçada com as outras políticas e atividades da União (artigo 334.º do TFUE).

Na prática, este instrumento é cada vez mais utilizado: pela primeira vez na história da UE, os Estados-Membros serviram-se do procedimento de cooperação reforçada para criar um regulamento que permitisse aos cônjuges com nacionalidades diferentes escolher a lei aplicável em caso de divórcio. Após uma proposta da Comissão nesse sentido ter sido apresentada em 2006 e não ter reunido a necessária unanimidade no Conselho, este último concedeu autorização para se avançar com a cooperação reforçada por decisão de 12 de julho de 2010. Com base numa nova proposta da Comissão, 14 Estados-Membros (Bélgica, Bulgária, Alemanha, Espanha, França, Hungria, Itália, Letónia, Luxemburgo, Malta, Áustria, Portugal, Roménia e Eslovénia) começaram por chegar a acordo sobre as referidas disposições em matéria de divórcio ou separação de cônjuges com nacionalidades diferentes, tendo-se posteriormente juntado a Lituânia (2014), a Grécia (2015) e a Estónia (2018). O resultado encontra-se estabelecido no Regulamento (UE) n.º 1259/2010 do Conselho, de 20 de dezembro de 2010, que cria uma cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial. Esta cooperação reforçada foi alargada em 2016 com a aprovação do Regulamento (UE) 2016/1103 do Conselho, de 24 de janeiro de 2016, que implementa a cooperação reforçada no domínio da competência, da lei aplicável, do reconhecimento e da execução de decisões em matéria de regimes matrimoniais.

Outro caso em que foi aplicada a cooperação reforçada está relacionado com a proteção de patentes na Europa. Sem a Espanha e a Croácia, e com a posterior participação da Itália, foram 25 os Estados-Membros que concordaram numa cooperação reforçada para criar a proteção unitária de patentes. O Regulamento (UE) n.º 1257/2012, que estabelece a cooperação reforçada no domínio da criação da proteção unitária de patentes e o Regulamento (UE) n.º 1260/2012, relativo ao regime de tradução aplicável, entraram em vigor em 20 de janeiro de 2013. Contudo, os regulamentos só serão aplicáveis após a entrada em vigor do Acordo relativo ao Tribunal Unificado de Patentes. Para que tal aconteça, este acordo tem de ser ratificado, no mínimo, por 13 Estados-Membros.

Por último, também a criação da Procuradoria Europeia resulta da cooperação reforçada. O Tratado de Lisboa conferiu à UE o poder de estabelecer esse órgão (artigo 86.º do TFUE), por meio de um regulamento adotado por unanimidade pelo Conselho, após aprovação do Parlamento Europeu. Com o Regulamento (UE) 2017/1939, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia, o Conselho acabou por fazer uso desta competência no âmbito de uma cooperação reforçada, já que não tinha sido possível alcançar a necessária unanimidade no Conselho. Até à data, participaram nesta cooperação reforçada 22 Estados-Membros.

A «CONSTITUIÇÃO» DA UNIÃO EUROPEIA

Todas as sociedades têm uma constituição. É através dela que é definida a estrutura do seu sistema político, ou seja, a constituição rege as relações dos membros da sociedade entre si e em relação ao todo, fixa os objetivos comuns e define o processo a seguir para a adoção das decisões vinculativas. A constituição da UE, sendo esta uma união de Estados para a qual foram transferidas tarefas e funções bem definidas, deve, por isso, poder responder às mesmas questões que a constituição de um Estado.

Os Estados-Membros regem-se por dois princípios fundamentais: o primado do direito e a democracia. Toda a ação da UE, para ser consonante com os princípios fundamentais do direito e da democracia, deve ter legitimidade jurídica e democrática: criação, organização, competências, funcionamento, papel dos Estados-Membros e suas instituições, papel do cidadão.

Na sequência do fracasso do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa de 29 de outubro de 2004, a «constituição» da UE não foi ainda consagrada num documento constitucional coerente, tal como acontece com a maioria das constituições dos seus Estados-Membros. Resulta antes da soma de normas e valores fundamentais que os responsáveis encaram como vinculativos. Estas normas resultam quer dos próprios textos dos tratados europeus e dos atos jurídicos aprovados pelas instituições da União ou da jurisprudência do Tribunal de Justiça, quer de usos e costumes consagrados.

A natureza jurídica da União Europeia

Para determinar a natureza jurídica da UE é preciso começar por olhar para as suas características. Isto foi feito em dois acórdãos fundamentais de 1963 e 1964 que fazem parte da jurisprudência do Tribunal de Justiça e que, apesar de terem sido proferidos no tempo da Comunidade Económica Europeia, continuam a ter validade jurídica para a União Europeia na sua atual configuração.

O processo Van Gend & Loos

Neste processo, a empresa de transporte neerlandesa Van Gend & Loos intentara uma ação contra a administração aduaneira neerlandesa, por esta ter cobrado direitos aduaneiros majorados à importação de um produto químico proveniente da Alemanha. A empresa considerava haver uma violação do antigo artigo 12.º do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia (Tratado CEE), que proíbe a introdução de novos direitos aduaneiros e o aumento dos já existentes no mercado comum. O tribunal neerlandês suspendeu o procedimento e apresentou um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, para que este esclarecesse o alcance e a interpretação jurídica do artigo invocado do Tratado CEE.

O Tribunal de Justiça aproveitou a ocasião para fixar certos aspetos fundamentais da natureza jurídica da CEE. No seu acórdão, o Tribunal declarou que:

O objetivo do Tratado CEE, que consiste em instituir um mercado comum cujo funcionamento diz diretamente respeito aos nacionais da Comunidade, implica que este Tratado seja mais do que um acordo meramente gerador de obrigações recíprocas entre os Estados contratantes. Esta conceção é confirmada pelo preâmbulo do Tratado, que, além dos Governos, faz referência aos povos e, mais concretamente, pela criação de órgãos investidos de poderes soberanos cujo exercício afeta quer os Estados-Membros, quer os seus nacionais. [...] Daqui deve concluir-se que a Comunidade constitui uma nova ordem jurídica de direito internacional, a favor da qual os Estados limitaram, ainda que em domínios restritos, os seus direitos soberanos, e cujos sujeitos são não só os Estados- -Membros, mas também os seus nacionais.»

O processo Costa/ENEL

Apenas um ano mais tarde, o processo 6/64, Costa vs. ENEL, deu ao Tribunal de Justiça a possibilidade de aprofundar ainda mais a sua análise. Em causa estavam os seguintes factos: em 1962, a Itália nacionalizou a produção e a distribuição de eletricidade, tendo transferido o património das empresas do setor para a sociedade ENEL. Enquanto acionista de uma das empresas nacionalizadas, a Edison Volta, Flaminio Costa viu-se privado de dividendos a que tinha direito e recusou-se a pagar uma fatura de eletricidade de 1 926 liras italianas. Perante o tribunal arbitral de Milão, Flaminio Costa justificou a sua conduta fazendo valer, designadamente, o facto de que a lei da nacionalização violava uma série de disposições do Tratado CEE. O tribunal de Milão apresentou então ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial relativamente à interpretação de algumas disposições do Tratado CEE. No seu acórdão, o Tribunal de Justiça estabeleceu, a propósito da natureza jurídica da CEE:

Diversamente dos tratados internacionais ordinários, o Tratado CEE institui uma ordem jurídica própria que é integrada no sistema jurídico dos Estados-Membros a partir da entrada em vigor do Tratado e que se impõe aos seus órgãos jurisdicionais nacionais. Efetivamente, ao instituírem uma Comunidade de duração ilimitada, dotada de instituições próprias, de capacidade jurídica, de capacidade de representação internacional e, mais especialmente, de poderes reais resultantes de uma limitação de competências ou de uma transferência de atribuições dos Estados para a Comunidade, estes limitaram, ainda que em domínios restritos, os seus direitos soberanos e criaram, assim, um corpo de normas aplicável aos seus nacionais e a si próprios.»

O Tribunal de Justiça sintetiza do modo que se segue as conclusões finais alcançadas na sequência de pormenorizadas deliberações.

«Resulta do conjunto destes elementos que ao direito emergente do Tratado, emanado de uma fonte autónoma, em virtude da sua natureza originária específica, não pode ser oposto em juízo um texto interno, qualquer que seja, sem que perca a sua natureza comunitária e sem que sejam postos em causa os fundamentos jurídicos da própria Comunidade. A transferência efetuada pelos Estados, da sua ordem jurídica interna em benefício da ordem jurídica comunitária, dos direitos e obrigações correspondentes às disposições do Tratado implica, pois, uma limitação definitiva dos seus direitos soberanos, sobre a qual não pode prevalecer um ato unilateral ulterior incompatível com o conceito de Comunidade.»

À luz destes dois acórdãos fundamentais do Tribunal de Justiça, os elementos que conjuntamente conferem características específicas e singularidade à natureza jurídica da CE são:

  • A estrutura institucional, que garante que o processo de elaboração das decisões na UE é também marcado ou influenciado pelo interesse geral da Europa, isto é, os interesses da UE que emergem dos objetivos.
  • A transferência de competências verificada para as instituições da União num grau mais importante que em outras organizações internacionais e que abrange domínios nos quais os Estados-Membros geralmente conservam a respetiva soberania.
  • A criação de uma ordem jurídica própria, independente da dos Estados-Membros.
  • A aplicabilidade direta do direito da UE, que garante que as regras do direito da UE devem desenvolver a plenitude do seu efeito de forma completa e uniforme em todos os Estados-Membros e que tais disposições são fonte de direitos e de obrigações, quer para os Estados--Membros, quer para os respetivos cidadãos.
  • O primado do direito da UE, que impede qualquer revogação ou alteração da legislação da UE pelo direito nacional e garante o primado do direito comunitário em caso de conflito com o direito nacional.

A UE constitui, pois, uma entidade autónoma, dotada de direitos soberanos e de uma ordem jurídica independente dos Estados-Membros, que se impõe quer aos Estados-Membros, quer aos respetivos cidadãos nos domínios da competência da UE.

As características da UE deixam também claro os seus pontos comuns e as suas diferenças em relação às tradicionais organizações internacionais e às estruturas de tipo federal.

A UE não é ainda um «produto acabado», está em processo de evolução, não sendo possível prever a forma final que acabará por assumir.

O único ponto comum entre as organizações internacionais tradicionais e a UE reside no facto de a UE também ter nascido de tratados internacionais. No entanto, a UE já se afastou bastante destas origens. Isto porque os atos fundadores da UE levaram à criação de uma União autónoma dotada de direitos soberanos e competências próprias. Os Estados-Membros abdicaram de parte dos seus poderes soberanos em prol desta União e transferiram-nos para a UE para que possam ser exercidos conjuntamente.

As diferenças da UE em relação às organizações internacionais tradicionais aproximam-na de um estatuto semelhante ao de um Estado. A renúncia por parte dos Estados-Membros a uma parte da respetiva soberania em favor da UE constitui um dos elementos que permitiram concluir que a estrutura da UE já se identificava com a de um Estado federal. Todavia, esta conceção não atende ao facto de as competências das instituições da UE estarem circunscritas à realização dos objetivos consagrados pelos tratados e a certos domínios para os quais possuem competências definidas especificamente. Estas instituições não podem, por isso, fixar livremente os respetivos objetivos como acontece num Estado soberano, nem estão em condições de responder aos desafios que os Estados modernos enfrentam atualmente. À UE falta a plenitude de competências que caracteriza os Estados soberanos e a faculdade de instituir novas competências (a chamada «competência das competências»).

Consequentemente, a UE não é nem uma organização internacional clássica nem uma associação de Estados, mas uma entidade que se situa a meio caminho entre estas formas tradicionais de associação entre Estados com direitos de soberania. No plano jurídico, consagrou-se a delimitação desta posição especial graças ao conceito de «organização supranacional».

As competências da União Europeia

As competências da UE aproximam-na muito do ordenamento constitucional de um Estado. Não se trata, contrariamente à maior parte das outras organizações internacionais, de uma transferência de competências técnicas exatamente delimitadas, mas de domínios de atividade na sua globalidade essenciais para a existência dos Estados.

As competências da UE são previsivelmente muito diversificadas, abrangendo competências económicas, sociais e políticas.

Competências económicas

No cerne das competências económicas está a criação de um mercado comum que reúna no seu seio os «mercados nacionais» dos Estados-Membros e no qual todas as mercadorias e serviços possam ser vendidos e comercializados nas mesmas condições que num mercado interno, ao qual todos os cidadãos da União devem aceder livremente e em igualdade de circunstâncias. O conceito de criação de um mercado comum foi iniciado pelo então Presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors, e realizado essencialmente através do programa para a realização do mercado interno até 1992, aprovado pelos Chefes de Estado ou de Governo. As instituições da UE conseguiram criar o quadro jurídico necessário para o bom funcionamento do mercado interno. Este quadro tem sido sobretudo preenchido com medidas de transposição nacionais, resultando daí que o mercado único é atualmente uma realidade. Este mercado único faz-se também sentir no quotidiano, em especial quando se viaja dentro da UE, onde os controlos de pessoas e bens nas fronteiras nacionais há muito que foram suprimidos.

12 caixas de maçãs empilhadas, cada uma com a inscrição «Europe Quality».

O mercado interno com as suas quatro liberdades características (artigo 26.º do TFUE) é um dos principais elementos do TFUE: liberdade de circulação de mercadorias (artigo 34.º), liberdade de circulação de pessoas (artigo 45.º e artigo 49.º), liberdade de prestação de serviços (artigo 57.º) e liberdade de circulação de capitais (artigo 63.º).

O mercado interno foi acompanhado pela união económica e monetária. As competências da UE em matéria de política económica não consistem, porém, em estabelecer e fazer funcionar uma política económica europeia, mas sim em coordenar as políticas económicas de tal forma que as decisões económicas de um ou mais Estados-Membros não tenham efeitos negativos no funcionamento do mercado interno. Com esta finalidade, decidiu-se o estabelecimento de um Pacto de Estabilidade e Crescimento que fixasse critérios específicos a cada um dos Estados-Membros e que lhes servissem de orientação na tomada das suas decisões no âmbito da política orçamental. Quando tal não acontece, a Comissão Europeia pode formular advertências, e em caso de défice orçamental excessivo e duradouro, o Conselho pode aplicar sanções.

No decurso da crise económica e financeira global, a cooperação em matéria de política económica ao nível da UE foi ainda mais reforçada entre 2010 e 2012, sendo complementada por um mecanismo de crise permanente que consiste sobretudo nos seguintes elementos: reforço do papel da Comissão, introdução de novos mecanismos de correção automáticos, estabelecimento de coordenação das políticas económicas ao mais alto nível, coordenação concertada no Semestre Europeu com obrigações mais exigentes em matéria de comunicação de informações por parte dos Estados-Membros, reforço do papel dos parlamentos nacionais e do Parlamento Europeu, bem como definição de compromissos voluntários no direito nacional.

No coração deste novo mecanismo de crise encontra-se o Semestre Europeu. O Semestre Europeu é um ciclo durante o qual os Estados-Membros da UE coordenam as suas políticas económicas e orçamentais. O Semestre centra-se nos primeiros seis meses de um ano, daí o seu nome. Durante o Semestre Europeu, os Estados-Membros procedem ao alinhamento das políticas orçamentais e económicas nacionais com as regras e objetivos fixados ao nível da UE. Por conseguinte, o objetivo do Semestre Europeu é contribuir para assegurar a solidez das finanças públicas, fomentar o crescimento económico e evitar desequilíbrios macroeconómicos excessivos na UE.

Este gráfico ilustra as várias fases do Semestre Europeu, destacando as responsabilidades e funções das instituições da UE no âmbito do processo.

Os meses de novembro e dezembro constituem a fase preparatória, que envolve a análise da situação e o seguimento do ano anterior. Durante este período, a Comissão Europeia realiza uma análise das políticas orçamentais e estruturais através da Análise Anual do Crescimento Sustentável (AACS), elabora recomendações para a área do euro e avalia os desequilíbrios macroeconómicos no Relatório Sobre o Mecanismo de Alerta. A fase 1, que começa em janeiro e termina em março, envolve orientações políticas a nível da UE. O Conselho da União Europeia estuda a AACS e adota conclusões, enquanto o Parlamento Europeu dá um parecer sobre as orientações para o emprego. Posteriormente, o Conselho Europeu (chefes de Estado ou de Governo) dá orientações políticas. Além disso, o Relatório Sobre o Mecanismo de Alerta identifica os países com potenciais desequilíbrios macroeconómicos que necessitam de uma análise aprofundada. Na fase 2, entre abril e junho, os Estados-Membros traçam os seus objetivos, prioridades e planos específicos, que servem de base para a Comissão Europeia elaborar recomendações específicas por país. O Conselho da União Europeia aprova a versão final destas recomendações , que são depois aprovadas pelo Conselho Europeu e adotadas pelo Conselho da União Europeia. A execução acontece durante a fase 3. Os Estados-Membros têm em conta as recomendações no processo de decisão nacional sobre o respetivo orçamento para o ano seguinte. No final do ano começa um novo ciclo quando a Comissão apresenta uma panorâmica da situação económica na sua AACS para o ano seguinte.

No final do ano começa um novo ciclo quando a Comissão apresenta uma panorâmica da situação económica na sua AACS para o ano seguinte.

Fonte: https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/european-semester/

A tarefa da UE em matéria de política monetária era e é a de introduzir uma moeda única na UE e gerir de forma centralizada as questões monetárias. Já se alcançou algum êxito neste domínio com a introdução, em 1 de janeiro de 1999, do euro como moeda única europeia nos Estados-Membros que cumpriam já os critérios de convergência definidos com esse objetivo (taxa de inflação: 1,5 %, défice orçamental = nova dívida anual: 3 %; dívida pública: 60 %; taxa de juro de longo prazo: 2 %). Foram eles: Bélgica, Alemanha, Irlanda, Espanha, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Áustria, Portugal e Finlândia. No dia 1 de janeiro de 2002, as moedas nacionais destes países foram substituídas por notas e moedas de euro. Desde então, os pagamentos quotidianos e as transações financeiras nestes países foram feitos numa única moeda — o euro. Nos anos seguintes, o número de Estados-Membros que conseguiram cumprir os critérios de adoção do euro aumentou: Grécia (1 de janeiro de 2001), Eslovénia (1 de janeiro de 2007), Chipre (1 de janeiro de 2008), Malta (1 de janeiro de 2008), Eslováquia (1 de janeiro de 2009), Estónia (1 de janeiro de 2011), Letónia (1 de janeiro de 2014), Lituânia (1 de janeiro de 2015) e, por último, Croácia (1 de janeiro de 2023). A «área do euro» — constituída pelos países que usam o euro como moeda — conta atualmente com 20 Estados-Membros.

Em princípio, os restantes Estados-Membros estão obrigados a introduzir o euro como moeda nacional logo que cumpram os critérios de convergência. A única exceção aplica-se à Dinamarca, que adotou uma cláusula de autoexclusão que lhe reserva o direito de decidir, por si própria, se e quando deve ser iniciado o processo de avaliação para a adesão à moeda única. A Suécia, que não adotou uma cláusula de autoexclusão, representa um caso especial. A sua adoção do euro depende, em vez disso, de uma recomendação da Comissão e do Banco Central Europeu (BCE) ao Conselho no que toca à participação da Suécia. Caso tal recomendação seja feita e aprovada pelo Conselho, a Suécia não terá em princípio nenhuma oportunidade de recusar essa participação.

Não obstante todas as preocupações, o euro conseguiu impor-se como uma moeda forte e internacionalmente reconhecida, estabelecendo também uma ligação sólida entre os Estados-Membros da área do euro. Nem mesmo a crise da dívida soberana que começou em 2010 conseguiu mudar este facto, muito pelo contrário. A UE respondeu à crise introduzindo mecanismos de apoio temporários, que foram permanentemente substituídos pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) em 2013. O MEE, enquanto mecanismo permanente de resolução de crises, confere assistência financeira externa aos Estados-Membros da área do euro, com uma capacidade efetiva de concessão de crédito de 500 mil milhões de EUR. Os Estados-Membros da área do euro só recebem esta assistência financeira em condições estritas, que visam uma rigorosa consolidação orçamental e são refletidas num programa de ajustamento económico a negociar pela Comissão e pelo Fundo Monetário Internacional em estreita cooperação com o BCE. Dotada do MEE, a UE está em condições de defender o euro, mesmo nas situações de maior gravidade. Este mecanismo é um reflexo inequívoco do interesse comum e da solidariedade no interior da área do euro, bem como da responsabilidade de cada Estado-Membro perante os seus pares.

Além da política económica e da política monetária, são também da competência da UE outras áreas da política económica, designadamente a política climática e energética, a política agrícola e de pescas, a política de transportes, a política de defesa do consumidor, a política estrutural e de coesão, a política de investigação e desenvolvimento, a política aeroespacial, a política ambiental, a política de saúde, a política comercial e a política energética.

Competências sociais

Ao nível da política social, a UE tem também competências para moldar a dimensão social do mercado único e garantir que os benefícios da integração económica não sejam sentidos apenas por quem está ativo na economia. Um dos pontos de partida nesta matéria é, por exemplo, a introdução de um sistema de segurança social para trabalhadores migrantes. Este sistema garante que nenhum trabalhador que tenha exercido uma atividade profissional em mais de um Estado-Membro e, em virtude disso, tenha estado inscrito em diferentes sistemas de segurança social, seja prejudicado por esse facto nas suas regalias sociais (pensão de velhice, pensão de invalidez, cuidados de saúde, prestações familiares, subsídio de desemprego). Um outro ponto de partida, também importante para uma missão urgente no domínio da política social, é o facto de, perante a situação de desemprego na UE, que suscita preocupação desde há vários anos, se ter dado prioridade à definição de uma estratégia europeia de emprego. Os Estados-Membros e a UE são chamados a desenvolver uma estratégia de emprego e, sobretudo, a promover a qualificação, formação e flexibilidade dos trabalhadores, adaptando, além disso, os mercados de trabalho às necessidades da transformação económica. A promoção do emprego é entendida como uma oportunidade para o bem comum, que requer dos Estados-Membros a coordenação, no seio do Conselho, das suas atividades nacionais. A UE deve contribuir para que se atinjam níveis elevados de emprego, incentivando a cooperação entre Estados-Membros, apoiando e, sempre que necessário, completando a sua ação, no pleno respeito das competências dos Estados-Membros nesta matéria.

Competências políticas

No domínio político propriamente dito, as competências da UE situam-se no contexto do combate às alterações climáticas, da cidadania da União, da política de cooperação judicial em matéria penal e da política externa e de segurança comum.

A UE luta contra as alterações climáticas adotando políticas ambiciosas a nível interno e mantendo uma cooperação estreita com os seus parceiros internacionais. A ação climática está no cerne do Pacto Ecológico Europeu, um ambicioso pacote de medidas, que vão desde a redução significativa das emissões de gases com efeito de estufa até à preservação do ambiente natural da Europa, passando pelo investimento em investigação e inovação de ponta. Entre as primeiras iniciativas de ação climática no âmbito do Pacto Ecológico Europeu contam-se:

A cidadania da União permite reforçar ainda mais os direitos e interesses dos cidadãos dos Estados-Membros no seio da UE. Qualquer cidadão da UE goza do direito de circular livremente na UE (artigo 21.º do TFUE), de eleger e ser eleito nas eleições municipais (artigo 22.º do TFUE), beneficia, no território de países terceiros, de proteção por parte das autoridades diplomáticas e consulares de qualquer Estado-Membro (artigo 23.º do TFUE), goza do direito de petição ao Parlamento Europeu (artigo 24.º do TFUE) e, em harmonia com o princípio da não discriminação, goza do direito a ser tratado em qualquer Estado-Membro em condições de igualdade com os nacionais desse Estado-Membro (artigo 20.º, n.º 2, conjugado com o artigo 18.º do TFUE).

No domínio da cooperação judiciária em matéria penal, trata-se sobretudo do exercício pela UE de competências que são de interesse europeu, e que incluem, especialmente, a luta contra a criminalidade organizada e tráfico de seres humanos, bem como a sua punição. Já não é possível lutar com eficácia contra a criminalidade organizada a nível nacional, sendo necessária uma atuação conjunta ao nível da UE. As primeiras medidas promissoras neste domínio foram já tomadas com a diretiva relativa à luta contra o branqueamento de capitais e a criação de um serviço europeu de polícia, a Europol (artigo 88.º do TFUE), cuja atividade se iniciou em 1998. A Europol é, desde 2020, uma agência da UE e é agora conhecida como Agência da União Europeia para a Cooperação Policial. Esta cooperação envolve também facilitar e acelerar a colaboração nos processos judiciais e na aplicação de decisões, facilitar as extradições entre Estados-Membros, estabelecer regras mínimas quanto aos elementos constitutivos das infrações penais e das penas nos domínios da criminalidade organizada, terrorismo, tráfico de seres humanos e exploração sexual de mulheres e crianças, tráfico de droga e de armas, branqueamento de capitais e corrupção (artigo 83.º do TFUE).

Um dos progressos mais significativos na cooperação judicial na UE foi a criação da Procuradoria Europeia. Foi instituída pelo Conselho, com a aprovação do Parlamento Europeu, por meio do Regulamento (UE) 2017/1939, no âmbito de uma cooperação reforçada na qual participaram 22 Estados-Membros. Em junho de 2021, três anos após a entrada em vigor do Regulamento Procuradoria Europeia, a Procuradoria Europeia iniciou as suas operações na sequência de uma decisão da Comissão com base numa proposta do Procurador-Geral Europeu. A Procuradoria Europeia tem sede no Luxemburgo e é organizada a nível central e a nível descentralizado. O nível central é constituído pela Procuradoria Central, por sua vez constituída pelo Colégio, pelas Câmaras Permanentes, pelo Procurador-Geral Europeu, pelos Procuradores-Gerais Europeus Adjuntos, pelos Procuradores Europeus e pelo Diretor Administrativo. O nível descentralizado é constituído pelos Procuradores Europeus Delegados, localizados nos Estados-Membros. Cabe à Procuradoria Europeia investigar, instaurar a ação penal, deduzir acusação e sustentá-la na instrução e no julgamento contra os autores e seus cúmplices nas infrações penais lesivas dos interesses financeiros da União. Para o efeito, a Procuradoria Europeia conduz as investigações e pratica os atos próprios da ação penal, exercendo a ação pública perante os órgãos jurisdicionais competentes dos Estados-Membros até que o processo seja arquivado. No exercício das suas atividades, a Procuradoria Europeia assegura o respeito dos direitos consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais e fica vinculada pelos princípios do primado do direito e da proporcionalidade em todas as suas atividades. A Procuradoria Europeia conduz as suas investigações de forma imparcial e procura todos os meios de prova pertinentes, tanto incriminatórios como ilibatórios.

Outro progresso é o mandado de detenção europeu, válido em toda a UE desde janeiro de 2004. O mandado de detenção pode ser emitido assim que se verifique uma infração para a qual se aplique uma pena mínima de mais de um ano de prisão. O mandado de detenção europeu substituiu os morosos processos de extradição do passado.

No que diz respeito à política externa e de segurança comum, a UE tem, em especial, a missão de salvaguardar os valores comuns, os interesses fundamentais e a independência da UE, de reforçar a segurança da UE e dos seus Estados-Membros, de defender a paz mundial e o reforço da segurança internacional, de promover a democracia, o Estado de direito e a cooperação internacional, de salvaguardar os direitos humanos e das liberdades fundamentais, e de estabelecer uma defesa comum.

Uma vez que a UE não é um Estado, a concretização destes objetivos só pode ser feita de forma gradual. Tradicionalmente, a política externa e, sobretudo, a política de segurança, fazem parte das áreas em que os Estados-Membros dão uma especial atenção à preservação da sua soberania. Outra razão pela qual os interesses comuns neste domínio são difíceis de definir é o facto de a França ser o único país da UE que ainda possui armas nucleares. Outro problema é que alguns Estados-Membros não são membros da OTAN. A maioria das decisões de política externa e de segurança comum são, por isso, ainda tomadas no âmbito da cooperação entre Estados. No entanto, têm, entretanto, surgido um conjunto de instrumentos de ação autónomo, através do qual a cooperação entre Estados adquiriu contornos jurídicos bem definidos.

Perante a evolução do ambiente de segurança, deu-se início a um processo de cooperação mais estreita em matéria de segurança e defesa com base na Estratégia Global para a Política Externa e de Segurança da UE. Os Estados-Membros aceitaram alargar as atividades da UE Europeia neste domínio e reconheceram que uma coordenação mais estreita, bem como um maior investimento na defesa e na cooperação no desenvolvimento das capacidades de defesa são essenciais para alcançar este objetivo. É este o principal objetivo da cooperação estruturada permanente (CEP) em matéria de segurança e defesa, tal como previsto no artigo 42.º, n.º 6, e no artigo 46.º do TUE, assim como no respetivo Protocolo n.º 10. Através da CEP, os Estados-Membros podem aumentar a sua eficácia na resposta aos desafios em matéria de segurança e avançar no sentido de uma maior integração e reforço da cooperação no domínio da defesa no quadro da UE. Em 11 de dezembro de 2017, o Conselho adotou a decisão que estabelece uma CEP e aprovou a lista de Estados-Membros participantes, dando assim um passo histórico. No total, 25 Estados-Membros optaram por participar na CEP: Bélgica, Bulgária, Chéquia, Alemanha, Estónia, Irlanda, Grécia, Espanha, França, Croácia, Itália, Chipre, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Hungria, Malta, Países Baixos, Áustria, Polónia, Portugal, Eslovénia, Eslováquia, Finlândia e Suécia.

Os poderes da União Europeia

Os tratados fundadores da UE não concedem às instituições da UE nenhuma competência geral para adotarem todas as medidas necessárias à concretização dos objetivos dos tratados, mas estabelecem para os diferentes capítulos o âmbito dos poderes para uma atuação em pormenor. O princípio fundamental é que a UE e as suas instituições não podem por si próprias tomar decisões sobre as suas bases jurídicas e competências. Aplica-se também o princípio fundamental da atribuição de competências específicas limitadas (artigo 2.º do TFUE). Os Estados-Membros optaram por esta via para manterem uma visão de conjunto da renúncia aos seus próprios poderes e controlar esse processo.

A extensão material destes poderes específicos varia consoante as atribuições da UE. Desde que não tenham sido transferidas para a UE, as competências continuam a pertencer exclusivamente aos Estados-Membros. O Tratado da UE refere expressamente que as questões da «segurança nacional» permanecerão na competência exclusiva dos Estados-Membros.

Naturalmente, isto coloca a questão da delimitação das competências da UE em relação às dos Estados-Membros. Esta delimitação é feita de acordo com três categorias de competências:

  • Competência exclusiva da UE (artigo 3.º do TFUE) nos domínios em que exista uma presunção de que uma medida ao nível da UE é mais eficaz que uma medida não coordenada de qualquer Estado-Membro. Estes domínios estão delimitados de forma exata e abrangem a União aduaneira, o estabelecimento das regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno, a política monetária para os Estados-Membros cuja moeda seja o euro, a política comercial comum e partes da política comum das pescas. Nestes domínios, só a União Europeia pode legislar e adotar atos juridicamente vinculativos. Os Estados-Membros podem neles intervir apenas quando a União Europeia lhes conferir poderes para isso ou para dar execução aos atos jurídicos da União Europeia (artigo 2.º, n.º 1, do TFUE).
  • Competência partilhada entre a UE e os Estados-Membros (artigo 4.º do TFUE) nos domínios em que uma intervenção da UE tenha uma vantagem acrescida face a uma intervenção dos Estados-Membros. Existe competência partilhada em matéria de regras do mercado interno, coesão económica, social e territorial, agricultura e pescas, ambiente, transportes e redes transeuropeias, aprovisionamento energético, e espaço de liberdade, segurança e justiça. A competência partilhada abrange igualmente preocupações de segurança comuns em matéria de saúde pública, investigação e desenvolvimento tecnológico, espaço, cooperação para o desenvolvimento, e ajuda humanitária. Em todos estes domínios a UE pode ser a primeira a exercer essa competência, mas apenas no que se refere às componentes regulamentadas do ato jurídico da União Europeia em questão e não a toda a política visada. Os Estados-Membros exercem a sua competência quando e onde a UE não tenha exercido a sua, ou tenha decidido deixar de a exercer (artigo 2.º, n.º 2, do TFUE). Esta última situação verifica-se quando as instituições competentes da UE decidem revogar um ato legislativo, sobretudo para respeitarem os princípios de subsidiariedade e proporcionalidade. O Conselho pode também, por iniciativa de um ou mais dos seus membros, solicitar à Comissão que apresente propostas para a revogação de um ato jurídico.
  • Competências de apoio (artigo 6.º do TFUE): No exercício das competências de apoio, a UE pode apenas coordenar ou completar as medidas dos Estados-Membros, não podendo harmonizar o direito nacional nos domínios afetados (artigo 2.º, n.º 5, do TFUE). A responsabilidade pela forma jurídica cabe, assim, aos Estados- -Membros, que para tal dispõem de uma margem considerável de ação. Abrangidas por esta categoria de competências estão a proteção e melhoria da saúde humana, a política industrial, a cultura, o turismo, o ensino, a juventude, o desporto e a formação profissional, a proteção contra catástrofes e a cooperação administrativa. Nos domínios da política económica e de emprego, os Estados-Membros reconhecem expressamente que as suas medidas nacionais devem ser coordenadas no âmbito da UE.

Além destes poderes especiais de ação, os tratados da UE preveem também a possibilidade de as instituições da UE intervirem quando tal for indispensável para a realização e o funcionamento do mercado interno e a garantia de uma concorrência leal (ver o artigo 352.º do TFUE , a chamada competência para o preenchimento de lacunas ou cláusula de flexibilidade). Todavia, estes artigos não conferem às instituições poderes de ação generalizados para agir em domínios que ultrapassam os objetivos previstos nos tratados, do mesmo modo que as instituições da UE não podem alargar as suas próprias competências em detrimento dos Estados-Membros. Na prática, as possibilidades que estas competências oferecem foram muito utilizadas no passado, com a UE a ser repetidamente chamada a intervir em novas situações que não estavam previstas quando foram concluídos os tratados fundadores, não lhe tendo por isso sido atribuído nos tratados as respetivas competências. São disto exemplos os domínios da proteção do ambiente e da defesa do consumidor, ou a criação do Fundo Europeu para o Desenvolvimento Regional, como meio para diminuir a distância entre as regiões desenvolvidas e menos desenvolvidas da UE. Porém, para os referidos domínios foram, entretanto, previstas competências especiais. Com estas disposições mais claras, a relevância prática da competência para o preenchimento de lacunas diminuiu consideravelmente. O exercício desta competência requer o aval do Parlamento Europeu.

Por último, as instituições da UE têm poderes para tomar medidas nos casos em que estas sejam necessárias ao exercício eficaz e ponderado dos poderes expressamente atribuídos (poderes implícitos). É principalmente no domínio das relações externas que estas competências adquirem especial relevância, permitindo à UE contrair obrigações com países não membros ou outras organizações internacionais em domínios correspondentes às suas atribuições. Um exemplo ilustrativo é o do processo Kramer, que o Tribunal de Justiça teve de analisar, e que tratava da competência da UE para, com o intuito de se estabelecerem quotas de capturas para a pesca em alto mar, cooperar com organizações de direito marítimo internacional e, eventualmente, assumir as correspondentes obrigações em matéria de direito internacional. O Tribunal de Justiça fez derivar a competência externa da UE, indispensável para este efeito, da competência interna em matéria de política de pescas no domínio da política agrícola comum em virtude da ausência de uma regulamentação expressa no Tratado da UE.

No entanto, o exercício de tais competências por parte da UE está subordinado ao princípio da subsidiariedade tomado de empréstimo à doutrina católica social, que, por estar consagrado no Tratado da UE (artigo 5.º, n.º 3, do TUE), adquiriu um estatuto constitucional. Este princípio tem duas facetas, uma positiva e outra negativa: a positiva, isto é, a que estimula a existência de competências comunitárias, dispõe que a UE deve agir quando os objetivos pretendidos possam ser melhor alcançados ao nível da União, o que reforça os seus poderes; e a negativa, isto é, a faceta limitativa, significa que a UE não deve atuar quando a ação dos Estados-Membros é suficiente para alcançar os objetivos pretendidos. Pressupõe-se que este seja automaticamente o caso nos domínios da competência exclusiva da UE, pelo que se dispensa um controlo da subsidiariedade nestes domínios. Na prática, porém, isto significa que, em todos os outros domínios de competência, todas as instituições da UE, mas sobretudo a Comissão, têm de demonstrar a necessidade efetiva de regulamentação e ação comuns. Parafraseando Montesquieu: quando não é necessário aprovar um regulamento da UE, é necessário não aprovar nenhum. Se houver efetivamente necessidade de uma regulamentação ao nível da UE, importa colocar a questão da intensidade e do tipo da medida da UE a adotar. A resposta decorre do princípio da proporcionalidade, que se encontra consagrado no Tratado da UE, em conjunto com as disposições relativas às competências (artigo 5.º, n.º 4 do TUE). Subsequentemente, deve analisar-se em pormenor se é necessário um instrumento jurídico e se outro meio de ação não seria suficiente em matéria de eficácia. Tal significa dar preferência sobretudo a regulamentos-quadro, a regulamentações mínimas e ao reconhecimento mútuo das disposições nacionais e evitar disposições legais que sejam exageradamente pormenorizadas e, sempre que possível, disposições de harmonização.

Este gráfico apresenta a composição das principais instituições e organismos da UE, incluindo o Conselho Europeu, o Conselho da União Europeia, o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia, o Comité das Regiões, o Comité Económico e Social Europeu, o Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Contas Europeu, o Banco Central Europeu e o Banco Europeu de Investimento.

O Conselho Europeu é composto pelos chefes de Estado ou de Governo dos 27 Estados-Membros da UE, juntamente com o presidente do Conselho Europeu e a presidente da Comissão. O Conselho da União Europeia é composto por 27 ministros, representantes de cada Estado-Membro. O Parlamento Europeu é composto por 705 deputados ao Parlamento Europeu. A Comissão Europeia é composta por 27 membros, cada um designado por cada Estado-Membro. O Comité das Regiões é composto por 329 membros. O Comité Económico e Social Europeu é composto por 326 membros. O Tribunal de Justiça da União Europeia é composto por 27 juízes do Tribunal de Justiça (um de cada Estado-Membro) e 54 juízes do Tribunal Geral (dois juízes de cada Estado-Membro). O Tribunal de Contas Europeu é composto por 27 membros, representantes de cada Estado-Membro. O Banco Central Europeu é composto por 20 governadores que representam os bancos centrais dos Estados-Membros da área do euro. O Banco Europeu de Investimento tem um Conselho de Governadores composto por 27 membros, um de cada Estado-Membro.

O respeito pelos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade pode agora também ser verificado pelos parlamentos nacionais. Para isso, introduziu-se um mecanismo de alerta precoce segundo o qual os parlamentos nacionais podem emitir um parecer fundamentado, no prazo de oito semanas após receberem uma proposta legislativa, onde expliquem as razões pelas quais a proposta legislativa em questão não está em consonância com os requisitos de subsidiariedade e proporcionalidade. Caso tal parecer fundamentado seja apoiado por, pelo menos, um terço dos votos atribuídos aos parlamentos nacionais (dispondo cada parlamento nacional de dois votos e cada sistema de câmaras de um voto por câmara), a proposta legislativa deverá ser novamente analisada pelo seu autor (que é, regra geral, a Comissão Europeia). Com base nesta avaliação, a proposta poderá ser mantida, modificada ou retirada. Caso a Comissão Europeia decida manter o projeto, terá de elaborar um parecer fundamentado para justificar a razão pela qual, no seu entender, o projeto está em consonância com o princípio da subsidiariedade. Este parecer fundamentado será transmitido com os pareceres fundamentados dos parlamentos nacionais ao legislador da UE para ser levado em consideração no processo legislativo. Caso o legislador da UE, recolhendo uma maioria de 55 % dos membros do Conselho ou uma maioria dos votos expressos no Parlamento Europeu, entenda que a proposta não está em consonância com o princípio da subsidiariedade, cessará a apreciação da proposta legislativa.

Instituições e órgãos da União Europeia

Artigo 13.º do Tratado da UE (quadro institucional)

  1. A União dispõe de um quadro institucional que visa promover os seus valores, prosseguir os seus objetivos, servir os seus interesses, os dos seus cidadãos e os dos Estados-Membros, bem como assegurar a coerência, a eficácia e a continuidade das suas políticas e das suas ações.

    As instituições da União são:

    • o Parlamento Europeu,
    • o Conselho Europeu,
    • o Conselho,
    • a Comissão Europeia,
    • o Tribunal de Justiça da União Europeia,
    • o Banco Central Europeu,
    • o Tribunal de Contas.
  2. Cada instituição atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados, de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estes estabelecem. As instituições mantêm entre si uma cooperação leal.
  3. As disposições relativas ao Banco Central Europeu e ao Tribunal de Contas, bem como as disposições pormenorizadas sobre as outras instituições, constam no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
  4. O Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão são assistidos por um Comité Económico e Social e por um Comité das Regiões, que exercem funções consultivas.

Outra questão que se levanta acerca da constituição da UE é a da sua organização. Quais são as instituições da UE? Uma vez que exerce funções que habitualmente só os Estados exercem, cabe perguntar se a UE tem um governo, um parlamento, autoridades administrativas e órgãos jurisdicionais tal como existem nos Estados-Membros. De forma deliberada, o exercício das atribuições conferidas à UE e a coordenação do processo de integração não foram deixados exclusivamente à iniciativa dos Estados-Membros ou da cooperação internacional. Pelo contrário, a UE assenta num sistema institucional que lhe permite conferir novos impulsos e novas metas para a União Europeia e, ao mesmo tempo, desenvolver, nas matérias da sua competência, normas jurídicas igualmente vinculativas para todos os Estados-Membros.

Os principais intervenientes do sistema institucional da UE são as instituições, designadamente o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu, o Conselho, a Comissão Europeia, o Tribunal de Justiça da União Europeia, o Banco Central Europeu e o Tribunal de Contas. Como instituições complementares surgem ainda no sistema institucional da UE o Banco Europeu de Investimento, o Comité Económico e Social Europeu e o Comité das Regiões Europeu.

Instituições

O Parlamento Europeu (artigo 14.º do TUE)

O Parlamento Europeu representa os cidadãos da UE. Nasceu da fusão da Assembleia Comum da CECA com a Assembleia da CEE e a Assembleia da CEEA, consagrada na Convenção de 1957 relativa a Certas Instituições Comuns às Comunidades (primeiro Tratado de fusão), e que deu origem a uma única «assembleia». A designação oficial «Parlamento Europeu» surgiu apenas quando o Tratado da CE foi alterado pelo Tratado da UE (Tratado de Maastricht), embora esta fosse já a designação de uso generalizado desde a alteração do próprio nome da Assembleia para «Parlamento Europeu» em 1958.

Composição e eleição

Composição do Parlamento Europeu, 2019-2024

  • Presidente
  • 14 Vice-Presidentes
  • 5 Questores (papel consultivo)

O Presidente do Parlamento Europeu, os vice-presidentes e os questores (deputados ao Parlamento Europeu com funções administrativas e financeiras) compõem a Mesa do Parlamento Europeu, eleita pelo Parlamento Europeu para um mandato de dois anos e meio. Há também uma Conferência dos Presidentes, composta pelo Presidente do Parlamento e pelos presidentes dos grupos políticos. Este órgão é responsável pela organização do trabalho do Parlamento Europeu e pelas relações com as restantes instituições da UE e com outras instituições extracomunitárias.

Estado-Membro Lugares no Parlamento Europeu
Alemanha 96
França 79
Itália 76
Espanha 59
Polónia 52
Roménia 33
Países Baixos 29
Bélgica 21
Chéquia 21
Grécia 21
Hungria 21
Portugal 21
Suécia 21
Áustria 19
Bulgária 17
Dinamarca 14
Eslováquia 14
Finlândia 14
Irlanda 13
Croácia 12
Lituânia 11
Letónia 8
Eslovénia 8
Estónia 7
Chipre 6
Luxemburgo 6
Malta 6

Até 1979, o Parlamento Europeu era composto por deputados dos parlamentos nacionais, escolhidos pelos respetivos colegas de bancada, e que eram enviados para o Parlamento Europeu. A eleição dos deputados ao Parlamento Europeu (DPE) pela população dos Estados-Membros por sufrágio universal direto já estava prevista nos Tratados, mas as primeiras eleições diretas só se realizaram em junho de 1979, após várias tentativas infrutíferas. A partir de então, realizam-se eleições de cinco em cinco anos, no termo de cada legislatura. Após décadas de esforços foi introduzido um processo eleitoral uniforme, com o ato relativo à eleição dos representantes ao Parlamento Europeu por sufrágio universal direto em 1976, que posteriormente sofreu uma reforma profunda com o ato relativo às eleições diretas, em 2002. Desde então, cada Estado-Membro estabelece o seu próprio processo eleitoral, mas utiliza as mesmas regras democráticas fundamentais:

  • Sufrágio direto e universal.
  • Representação proporcional.
  • Voto livre e secreto.
  • Idade mínima (para o direito de voto, é de 18 anos em todos os Estados-Membros, exceto na Áustria e em Malta, onde a idade mínima é de 16 anos, e na Grécia, onde a idade mínima foi fixada em 17 anos).
  • Mandatos de cinco anos renováveis.
  • Incompatibilidade com o exercício de outros cargos (os deputados ao PE não podem exercer simultaneamente outros cargos, p. ex., magistrado, procurador-geral, ministro, etc., estando ainda sujeitos à legislação do seu país, que pode impor restrições adicionais no que diz respeito à acumulação de mandatos ou cargos).
  • Data do escrutínio.
  • Igualdade entre homens e mulheres.

Em alguns países o exercício do voto é obrigatório (Bélgica, Luxemburgo e Grécia).

Além disso, em 2009 entrou em vigor um novo estatuto uniforme do deputado, que torna mais transparentes as condições do seu trabalho e comporta regras claras. Introduz também um vencimento uniforme para todos os deputados, suportado pelo orçamento da UE.

Com o sufrágio direto, o Parlamento Europeu ganhou legitimidade democrática e pode agora, verdadeiramente, dizer-se representante dos cidadãos da UE. Porém, a mera existência de um parlamento diretamente eleito não basta para responder à exigência fundamental de uma constituição democrática, nos termos da qual todos os poderes do Estado emanam do povo. Entre estes figuram também, além da transparência no processo de tomada de decisões e da representatividade nos órgãos responsáveis pela adoção de decisões, a supervisão pelo Parlamento da legitimidade das instituições da UE que participam no processo de tomada de decisões. Nesta matéria foram também alcançados progressos consideráveis nos últimos anos. Não só foram sendo constantemente alargados os direitos do Parlamento Europeu, como também, com o Tratado de Lisboa, o funcionamento da União Europeia no seu conjunto passou a ter a obrigação expressa de respeitar o princípio da democracia representativa. Assim sendo, todos os cidadãos da União Europeia estão diretamente representados no Parlamento Europeu e têm o direito de participarem ativamente na vida democrática da UE. Pretende-se deste modo garantir que as decisões ao nível da UE sejam tomadas de forma tão transparente e próxima dos cidadãos quanto possível. Os partidos políticos ao nível da UE devem contribuir para a formação de uma consciência europeia e articular as aspirações dos cidadãos da União Europeia. Se quisermos falar de um défice ainda existente no atual ordenamento democrático da UE podemos referir o facto de o Parlamento Europeu, ao contrário do que acontece no modelo nacional de democracia parlamentar, não escolher um governo que seja responsável perante o Parlamento.

Artigo 10.º do TUE (democracia representativa)

  1. O funcionamento da União baseia-se na democracia representativa.
  2. Os cidadãos estão diretamente representados, ao nível da União, no Parlamento Europeu.

    Os Estados-Membros estão representados no Conselho Europeu pelo respetivo Chefe de Estado ou de Governo e no Conselho pelos respetivos Governos, eles próprios democraticamente responsáveis, quer perante os respetivos parlamentos nacionais, quer perante os seus cidadãos.

  3. Todos os cidadãos têm o direito de participar na vida democrática da União. As decisões são tomadas de forma tão aberta e tão próxima dos cidadãos quanto possível.
  4. Os partidos políticos a nível europeu contribuem para a criação de uma consciência política europeia e para a expressão da vontade dos cidadãos da União.

No entanto, a razão para este défice é, simplesmente, que não existe ao nível da UE um governo na sua forma convencional. Em vez disso, as funções equiparáveis à governação previstas nos tratados da UE são repartidas entre o Conselho e a Comissão Europeia. No entanto, ao Parlamento Europeu foram recentemente concedidos pelo Tratado de Lisboa amplos poderes na designação da Comissão, que vão desde a escolha do Presidente da Comissão Europeia pelo Parlamento Europeu, por proposta do Conselho Europeu, até à aprovação pelo Parlamento Europeu de toda a equipa da Comissão Europeia (direito de investidura). Em contrapartida, o Parlamento Europeu não dispõe de influência comparável na composição do Conselho, estando este sujeito apenas a uma supervisão parlamentar idêntica àquela a que está sujeito cada membro, na sua qualidade de ministro, por parte do parlamento do seu país de origem.

O papel do Parlamento Europeu no processo legislativo da UE foi consideravelmente reforçado. Através da inclusão do processo de codecisão no processo legislativo ordinário, o Parlamento Europeu tornou-se, em conjunto com o Conselho, um «colegislador». No âmbito do processo legislativo ordinário, o Parlamento Europeu pode apresentar em várias leituras alterações aos atos jurídicos e, dentro de determinados limites e em certos casos, fazer com que o Conselho as aceite. Sem acordo entre o Conselho e o Parlamento Europeu, um ato jurídico da UE não pode ser aprovado.

Tradicionalmente, o Parlamento Europeu desempenha também um papel determinante no processo orçamental. Com o Tratado de Lisboa, os poderes orçamentais do Parlamento foram ampliados, devendo o PE autorizar o quadro financeiro plurianual e participar na codecisão no que respeita a todas as despesas.

O Parlamento Europeu dispõe de um direito de emissão de parecer favorável em todos os acordos internacionais importantes que incluam algum domínio sujeito à codecisão, bem como nos tratados de adesão assinados com novos Estados-Membros e que estabeleçam as condições de adesão.

Também os poderes de supervisão do Parlamento Europeu têm crescido de forma substancial ao longo do tempo. A supervisão consiste sobretudo na obrigatoriedade da Comissão de se justificar e defender as suas propostas perante o Parlamento Europeu, e de elaborar anualmente um relatório geral sobre a atividade da UE para debate. O Parlamento Europeu pode apresentar uma moção de censura que, se for aprovada por maioria de dois terços, implicará a demissão da Comissão Europeia (artigo 234.º do TFUE). Já foram apresentadas diversas moções de censura no Parlamento Europeu, mas nenhuma obteve a maioria necessária (2). Uma vez que o Conselho, na prática, também responde às perguntas do Parlamento, este tem a possibilidade de realizar um debate político direto com duas importantes instituições da UE.

Estes poderes de supervisão política por parte do Parlamento Europeu foram, entretanto, reforçados. O Parlamento Europeu pode também constituir comissões de inquérito para examinar casos de alegadas infrações do direito da UE ou de má gestão administrativa. Em junho de 2016, foi criada uma dessas comissões devido às revelações no âmbito dos Papéis do Panamá acerca de empresas offshore e dos seus proprietários secretos. Competiu a esta comissão de inquérito investigar possíveis violações do direito da UE relacionadas com branqueamento de capitais, elisão e evasão fiscal. Outra comissão de inquérito, também criada em 2016, tratou do escândalo das emissões dos automóveis. Por último, em junho de 2020, o Parlamento criou uma comissão de inquérito sobre o transporte de animais na UE para investigar infrações ao regulamento da UE relativo ao transporte de animais vivos [Regulamento (CE) n.º 1/2005]. Acresce que o Tratado garante às pessoas singulares e coletivas o direito de apresentarem petições ao Parlamento Europeu, sendo as mesmas examinadas pela Comissão das Petições, que é uma comissão permanente do PE. Por fim, o Parlamento Europeu fez valer o seu direito de designar um Provedor de Justiça Europeu (Ombudsman) encarregado de examinar queixas sobre as atividades das instituições ou dos órgãos comunitários, com exceção do Tribunal de Justiça. O Provedor pode ordenar a realização de inquéritos e dirigir-se à instituição em causa, e presta contas da sua atividade elaborando um relatório destinado ao Parlamento.

Sede

O Parlamento Europeu tem a sua sede em Estrasburgo, onde se realizam 12 sessões plenárias por ano, incluindo a sessão relativa ao orçamento. Outras sessões plenárias são realizadas em Bruxelas, onde os comités também se reúnem. Contudo, o Secretariado-Geral do Parlamento Europeu tem a sua sede no Luxemburgo. A decisão do Conselho Europeu de 1992 relativa a estas localizações foi confirmada no Protocolo n.º 6 do Tratado de Lisboa. O resultado desta decisão é que os deputados ao Parlamento Europeu, bem como uma parte dos seus funcionários e agentes, se veem obrigados a deslocações frequentes entre Estrasburgo, Bruxelas e o Luxemburgo, o que é muito dispendioso.

O Conselho Europeu (artigo 15.º do TUE)

O Conselho Europeu reúne, pelo menos duas vezes por semestre em Bruxelas, os Chefes de Estado ou de Governo dos Estados-Membros e os presidentes da Comissão e do Conselho.

Composição e Funções

Composição do Conselho Europeu

  • Chefes de Estado ou de Governo dos Estados-Membros
  • Presidente do Conselho Europeu
  • Presidente da Comissão Europeia
  • Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança

FUNçõES

Define as orientações e prioridades políticas gerais da UE

O Tratado de Lisboa criou o cargo de Presidente do Conselho Europeu. O Presidente do Conselho Europeu, ao contrário da presidência, dispõe de um mandato europeu, e não nacional como acontecia, válido por dois anos e meio e exercido a tempo inteiro. Deverá ser designada para presidente uma personalidade destacada, eleita por maioria qualificada dos membros do Conselho Europeu, e que pode ser reconduzida uma vez. As funções do presidente incluem a preparação e o seguimento a dar às sessões do Conselho Europeu, representando também a UE nas cimeiras internacionais no domínio da Política Externa e de Segurança.

O Conselho Europeu não exerce funções legislativas. A sua função é estabelecer as orientações políticas gerais da ação da UE. Estas orientações assumem a forma de «conclusões» que são adotadas por consenso e contêm decisões ou instruções básicas e orientações políticas destinadas ao Conselho ou à Comissão. Assim, a União Económica e Monetária, o sistema monetário europeu, a eleição do Parlamento Europeu por sufrágio direto, ações de política social e várias questões relacionadas com a adesão contam-se entre as áreas de ação do Conselho Europeu.

Conselho da União Europeia (artigo 16.º)
Composição e Presidência

O Conselho da União Europeia é composto por representantes dos governos dos Estados-Membros. Os 27 Estados-Membros enviam um representante, geralmente (mas não necessariamente) os ministros ou secretários de Estado responsáveis pelas questões previstas para debate. É importante que o representante de cada Estado-Membro tenha poderes para vincular o seu governo. As diferentes possibilidades de representação de um governo de um Estado-Membro tornam claro que não há membros permanentes do Conselho, pois o Conselho reúne com dez formações diferentes consoante o assunto a tratar.

As dez formações do Conselho

Um representante do governo de cada Estado-Membro ao nível ministerial, com uma composição que varia de acordo com o assunto a tratar

Presidido pelo Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança:

  • Negócios Estrangeiros

Presidido pelo Estado-Membro que exerce a Presidência do Conselho:

  • Assuntos Gerais
  • Assuntos Económicos e Financeiros
  • Justiça e Assuntos Internos
  • Emprego, Política Social, Saúde e Consumidores
  • Competitividade
  • Transportes, Telecomunicações e Energia
  • Agricultura e pescas
  • Ambiente
  • Educação, Juventude, Cultura e Desporto

O Conselho dos Assuntos Externos configura a atuação externa da UE de acordo com os objetivos estratégicos definidos pelo Conselho Europeu e procura conferir coerência à atuação da UE. O Conselho dos Assuntos Gerais coordena o trabalho do Conselho nas suas diferentes formações e prepara, em conjunto com os Presidentes do Conselho Europeu e da Comissão, as reuniões do Conselho Europeu. A presidência do Conselho é exercida rotativamente pelos Estados-Membros por períodos de seis meses, à exceção do Conselho dos Negócios Estrangeiros, que é presidido pelo Alto Representante da UE para a Política Externa e de Segurança. A ordem de ocupação do posto é decidida por unanimidade pelo Conselho. As mudanças de presidência ocorrem em 1 de janeiro e 1 de julho de cada ano (2020: Croácia, Alemanha; 2021: Portugal, Eslovénia; 2022: França, Chéquia; 2023: Suécia, Espanha). Dada a mudança relativamente frequente da presidência, cada uma elabora como base da sua atividade um programa de trabalho que é decidido em conjunto com as duas presidências seguintes, sendo assim válido por um período de 18 meses (o chamado «trio de presidências»). À presidência do Conselho cabe sobretudo orientar os trabalhos do Conselho e respetivos comités no âmbito das suas competências. Além disso, a presidência do Conselho assume também um protagonismo político já que o Estado-Membro que ocupa a presidência é avaliado pela comunidade internacional, o que permite, nomeadamente aos países mais pequenos, medir-se com os «grandes» no plano político e afirmar-se no contexto da política europeia.

A atividade do Conselho é preparada por um número considerável de instâncias preparatórias (comités e grupos de trabalho) compostas por representantes dos Estados-Membros. A instância preparatória mais importante é o Comité de Representantes Permanentes dos Governos dos Estados-Membros (Coreper I e II), que se reúne, regra geral, pelo menos uma vez por semana.

O Conselho é assistido por um Secretariado-Geral, dirigido por um Secretário-Geral nomeado pelo Conselho.

O Conselho tem a sua sede em Bruxelas.

Funções

O Conselho tem cinco funções principais:

  • A grande prioridade do Conselho é a elaboração de legislação, que exerce no quadro do processo de codecisão em conjunto com o Parlamento Europeu.
  • Seguidamente, cabe ao Conselho a tarefa de coordenar as políticas económicas dos Estados-Membros.
  • Desenvolve a política externa e de segurança comum com base nas orientações políticas definidas pelo Conselho Europeu.
  • O Conselho é a instituição responsável por celebrar acordos entre a UE e países terceiros ou organizações internacionais.
  • O Conselho elabora ainda, com base num projeto da Comissão Europeia, um orçamento que depois precisa ainda de obter a aprovação do Parlamento Europeu. É também o Conselho que recomenda ao Parlamento Europeu que dê quitação à Comissão pela execução do orçamento.

Compete ainda ao Conselho nomear os membros do Tribunal de Contas, do Comité Económico e Social Europeu e do Comité das Regiões.

Negociações e tomada de decisão no Conselho

É no âmbito das deliberações do Conselho que se constrói o equilíbrio entre os interesses dos Estados-Membros e os da UE. Embora sejam os interesses nacionais que geralmente prevalecem ao nível do Conselho, os seus membros devem, todavia, ter presentes os objetivos e as necessidades da União Europeia no seu conjunto. O Conselho é uma instituição da União, não é uma conferência intergovernamental, razão pela qual as suas deliberações não visam o mínimo denominador comum entre os interesses dos Estados-Membros, mas antes um equilíbrio ideal entre os interesses da UE e os interesses da cada Estado-Membro.

As reuniões e decisões do Conselho baseiam-se exclusivamente em documentos e projetos apresentados nas 24 línguas oficiais (alemão, búlgaro, checo, croata, dinamarquês, eslovaco, esloveno, espanhol, estónio, finlandês, francês, grego, húngaro, inglês, irlandês, italiano, letão, lituano, maltês, neerlandês, polaco, português, romeno e sueco). Em caso de urgência, são possíveis derrogações a esta regra, desde que decididas por unanimidade. O mesmo se aplica às propostas de alteração apresentadas e discutidas no decurso de uma sessão.

Ao abrigo dos tratados da UE, vigora o princípio da maioria nas votações do Conselho — regra geral, basta uma maioria qualificada (artigo 16.º, n.º 3, do TUE). Só em determinados domínios, em especial questões processuais, é que a maioria simples é suficiente, dispondo cada membro do Conselho de um voto (a maioria simples para os 27 Estados-Membros é alcançada com 14 votos).

De acordo com o sistema de dupla maioria, obtém-se uma maioria qualificada quando a proposta da Comissão é apoiada por, pelo menos, 55 % dos membros do Conselho, num mínimo de 15, devendo estes representar Estados-Membros que componham, no mínimo, 65 % da população da UE (artigo 16.º, n.º 4, do TUE) (3).

Para evitar que Estados-Membros menos populosos impeçam a adoção de uma decisão, está previsto que uma minoria de bloqueio deve ser composta por, pelo menos, quatro Estados-Membros, representando, pelo menos, 35 % da população da UE. O sistema é completado por um mecanismo adicional: caso não se verifique uma minoria de bloqueio, o processo de decisão pode ser suspenso. Neste caso, o Conselho não procede à votação, mas continua as negociações durante um prazo razoável, caso assim o exijam membros do Conselho que representem, pelo menos, 75 % da população ou, pelo menos, 75 % do número de Estados-Membros necessários para se formar uma minoria de bloqueio.

Está prevista nos Tratados a unanimidade para decisões políticas em domínios especialmente sensíveis. Todavia, as abstenções não impedem que seja adotada uma decisão. A unanimidade aplica-se também a decisões relativas a impostos, segurança social e proteção dos trabalhadores, à determinação de violações aos princípios constitucionais por um Estado-Membro, bem como a decisões relativas à definição dos princípios no domínio da Política Externa e de Segurança Comum e respetiva aplicação ou decisões no domínio da cooperação policial e judiciária em matéria penal.

Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (artigo 18.º do TUE)

O cargo de Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança não se tornou, como previa o projeto de constituição, no de Ministro dos Negócios Estrangeiros da UE, embora a sua posição na estrutura institucional se tenha visto significativamente reforçada e alargada. O alto representante tem, por isso, uma ligação ao Conselho, onde ocupa a presidência do Conselho de Assuntos Externos, e outra à Comissão, onde é vice-presidente responsável pelos Negócios Estrangeiros. O alto representante é nomeado pelo Conselho Europeu, por maioria qualificada, com o acordo do Presidente da Comissão, sendo assistido pelo Serviço Europeu para a Ação Externa, que foi criado em 2011 e é resultado da fusão dos departamentos de política externa do Conselho e da Comissão e da integração dos diplomatas dos serviços diplomáticos nacionais.

A Comissão Europeia (artigo 17.º do TUE)

Composição

27 membros, incluindo:

  • presidente
  • 3 Vice-Presidentes executivos
  • Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança
  • 4 outros Vice-Presidentes
  • 18 Comissários

FUNçõES

  • Lançamento do processo legislativo da UE
  • Controlo da observância e da aplicação correta do direito da UE
  • Administração e aplicação da legislação da União
  • Representação da UE nas organizações internacionais
Ursula von der Leyen, junto a um pódio, sorri, levanta a mão e acena, estabelecendo uma ligação com o público.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, profere o discurso sobre o estado da União perante os deputados ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo, França, em 15 de setembro de 2021.

Composição

A Comissão Europeia é composta por 27 membros, um por cada Estado-Membro, ou seja, a Comissão conta atualmente com 27 comissários (que desempenham várias funções) (artigo 17.º, n.º 4, do TUE). No seguimento de uma decisão do Conselho Europeu, o disposto no artigo 17.º, n.º 5, do TUE de reduzir o número de membros da Comissão para dois terços do número de Estados-Membros a partir de 1 de novembro de 2014 não entrou em vigor.

A Comissão é dirigida por um presidente, que ocupa uma posição forte dentro da Comissão. O presidente já não é um mero «primeiro entre iguais», é alguém que goza de uma posição de destaque no sentido em que define as orientações no âmbito das quais a Comissão exerce a sua missão e também determina a organização interna da Comissão [artigo 17.º, n.º 6, alíneas a) e b), do TUE]. Como tal, o presidente tem autoridade tanto para emitir orientações, como para exercer o controlo organizacional. Investido destes poderes, o presidente é responsável por assegurar que a ação tomada pela Comissão é coerente, eficiente e cumpre o princípio da colegialidade, especialmente patente no facto de as decisões serem tomadas por um órgão colegial (artigo 250.º, n.º 1, do TFUE). O presidente estrutura e distribui entre os seus membros as responsabilidades que incumbem à Comissão, podendo alterar a distribuição dessas responsabilidades durante o mandato da Comissão (artigo 248.º do TFUE). O presidente nomeia o primeiro vice-presidente e os outros vice- -presidentes, com exceção do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, que é um vice-presidente ex officio da Comissão. Além disso, encontra-se expressamente previsto que qualquer membro da Comissão deve apresentar a sua demissão se o presidente assim lho pedir (artigo 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, do TUE). Por último, a posição de destaque do presidente está também patente no direito que lhe assiste de ser ouvido em relação à seleção de outros membros da Comissão e no facto de ser membro do Conselho Europeu. Desde dezembro de 2019, a Comissão Europeia é, pela primeira vez, liderada por uma mulher: a presidente Ursula von der Leyen.

Há seis grupos de comissários, cada um liderado por um vice-presidente, incumbidos de, independentemente do princípio da colegialidade, acompanhar e impulsionar os trabalhos nas principais áreas de prioridade política:

  • Pacto Ecológico Europeu, sob a responsabilidade do vice-presidente executivo Frans Timmermans.
  • Uma Europa preparada para a era digital, sob a responsabilidade da vice-presidente executiva Margrethe Vestager.
  • Uma economia ao serviço dos cidadãos, sob a responsabilidade do vice-presidente executivo Valdis Dombrovskis.
  • Uma Europa mais forte no mundo, sob a responsabilidade do Alto Representante para a Política Externa Josep Borell Fontelles.
  • Promoção do modo de vida europeu, sob a responsabilidade da vice- -presidente Margaritis Schinas.
  • Um novo impulso para a democracia europeia, sob a responsabilidade da vice-presidente Věra Jourová.

O presidente e os membros da Comissão são nomeados para um período de cinco anos através do procedimento de investidura, cujas regras foram alteradas pelo Tratado de Lisboa no artigo 17.º, n.º 7, do TUE. Este procedimento desenrola-se em várias etapas: em primeiro lugar, nomeia-se o presidente, depois, são selecionadas as pessoas a nomear para membros da Comissão. Na terceira etapa, nomeiam-se oficialmente o presidente da Comissão, o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e os outros membros da Comissão.

Depois de proceder às consultas adequadas, o Conselho Europeu, deli­berando por maioria qualificada, propõe ao Parlamento Europeu um candidato ao cargo de Presidente da Comissão. Os resultados das eleições para o Parlamento Europeu devem ser tomados em consideração aquando da seleção do candidato para o cargo de presidente. Este novo requisito tem como objetivo aumentar o nível de politização da Comissão. Em última análise, tal significa que os grupos políticos que controlam uma maioria no Parlamento Europeu têm um peso significativo na nomeação do presidente.

Uma vez eleito o presidente, o Conselho Europeu adota «por consenso» (artigo 15.º, n.º 4, do TUE) a lista das demais personalidades que tenciona nomear para membros da Comissão, elaborada de acordo com as propostas dos Estados-Membros. As pessoas são escolhidas em função da sua competência geral e do seu empenhamento europeu, devendo ser totalmente independentes no desempenho das suas obrigações. Uma maioria qualificada no Conselho é suficiente para nomear o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (artigo 18.º, n.º 1, do TUE). O Conselho e o presidente eleito da Comissão devem chegar a consenso quanto aos candidatos. A nomeação do alto representante exige mesmo o acordo expresso do presidente indigitado da Comissão. Os outros membros da Comissão não podem ser nomeados se o presidente eleito vetar a nomeação.

Uma vez eleito o presidente e nomeados o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e os restantes membros da Comissão, o colégio está sujeito a um voto de aprovação do Parlamento Europeu. Contudo, os comissários indigitados devem primeiro responder às questões colocadas pelos deputados numa audição. As questões dizem habitualmente respeito a tópicos que se enquadram no âmbito previsto das suas responsabilidades e a posições pessoais quanto ao futuro da UE. Após a aprovação do Parlamento Europeu, para a qual é suficiente uma maioria simples, o presidente e os outros membros da Comissão são nomeados pelo Conselho Europeu, deliberando por maioria qualificada. A Comissão começa a exercer as suas funções assim que forem nomeados os seus membros.

A Comissão Europeia tem sede em Bruxelas.

Funções

A Comissão é o principal motor da política da UE. Está na origem de toda a ação da União, já que lhe compete apresentar ao Conselho propostas legislativas para a UE (o chamado direito de iniciativa da Comissão). A Comissão não desenvolve as suas atividades de acordo com as suas preferências. Está obrigada a agir se o interesse da UE assim o exigir. Também o Parlamento (artigo 225.º do TFUE), o Conselho (artigo 241.º do TFUE) e um grupo de cidadãos da União no âmbito de uma iniciativa de cidadania (artigo 11.º, n.º 4, do TUE) podem convidar a Comissão a elaborar uma proposta. À Comissão são atribuídos poderes legislativos primários apenas em casos pontuais (p. ex., no domínio do orçamento da UE, dos fundos estruturais, do combate à discriminação fiscal ou dos auxílios e cláusulas de salvaguarda). Bem mais vastos, contudo, são os poderes legislativos de execução das regras da UE delegados na Comissão pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu (artigo 290.º do TFUE).

A Comissão é também a guardiã dos tratados e, por conseguinte, do direito da UE. É a Comissão que vela pelo respeito e pela aplicação pelos Estados-Membros do direito primário e derivado da União. Em caso de violação do direito da UE, a Comissão instaura um procedimento por infração ao Tratado (artigo 258.º do TFUE) e pode, se necessário, recorrer ao Tribunal de Justiça. A Comissão intervém ainda em casos de infrações à legislação da UE perpetradas por pessoas singulares ou coletivas, em especial infrações da lei europeia da concorrência, podendo também infligir pesadas sanções. Nos últimos anos, a luta contra o incumprimento das disposições da UE tornou-se parte fulcral da atividade da Comissão.

Estreitamente ligada à função de guardiã dos Tratados está a de representante dos interesses da União. A Comissão não pode, por princípio, defender outros interesses além dos da União. Deve envidar todos os esforços nas negociações no Conselho, que são frequentemente difíceis, para fazer prevalecer os interesse da União e chegar a compromissos que os tenham em conta. Ao fazê-lo, desempenha também um papel de mediação entre os Estados-Membros, para o qual a sua neutralidade é especialmente apropriada e necessária.

Por último, a Comissão é — embora num âmbito limitado — um órgão executivo, particularmente no domínio do direito da concorrência, em que exerce as funções de uma autoridade administrativa clássica: analisa factos, concede autorizações, formula proibições e, se for o caso, inflige sanções. As competências administrativas da Comissão são também muito vastas no contexto dos fundos estruturais da UE e da execução orçamental. Regra geral, é, todavia, aos próprios Estados-Membros que compete velar pela execução das disposições da UE em cada caso concreto. Esta solução, devidamente consagrada nos tratados da UE, tem a vantagem de aproximar os cidadãos de uma realidade para eles ainda um pouco «distante», a da ordem europeia, colocando-a sob a autoridade e no quadro familiar da ordem nacional.

Estrutura administrativa da Comissão Europeia

  • Comissão (27 membros)

DIREÇÕES-GERAIS E SERVIÇOS

  • Secretariado-Geral
  • Serviço Jurídico
  • Direção-Geral da Comunicação
  • IDEA — Inspirar, Debater, Empenhar-se e Acelerar a Ação
  • Direção-Geral do Orçamento
  • Direção-Geral dos Recursos Humanos e da Segurança
  • Direção-Geral da Informática
  • Serviço de Auditoria Interna
  • Organismo Europeu de Luta Antifraude
  • Direção-Geral dos Assuntos Económicos e Financeiros
  • Direção-Geral do Mercado Interno, da Indústria, do Empreendedorismo e das PME
  • Direção-Geral da Indústria da Defesa e do Espaço
  • Direção-Geral da Concorrência
  • Direção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Inclusão
  • Direção-Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural
  • Direção-Geral da Mobilidade e dos Transportes
  • Direção-Geral da Energia
  • Direção-Geral do Ambiente
  • Direção-Geral da Ação Climática
  • Direção-Geral da Investigação e da Inovação
  • Direção-Geral das Redes de Comunicação, Conteúdos e Tecnologias
  • Centro Comum de Investigação
  • Direção-Geral dos Assuntos Marítimos e das Pescas
  • Direção-Geral da Estabilidade Financeira, dos Serviços Financeiros e da União dos Mercados de Capitais
  • Direção-Geral da Política Regional e Urbana
  • Direção-Geral do Apoio às Reformas Estruturais
  • Direção-Geral da Fiscalidade e da União Aduaneira
  • Direção-Geral da Educação, da Juventude, do Desporto e da Cultura
  • Direção-Geral da Saúde e da Segurança dos Alimentos
  • Autoridade de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias
  • Direção-Geral da Migração e Assuntos Internos
  • Direção-Geral da Justiça e dos Consumidores
  • Direção-Geral do Comércio
  • Direção-Geral da Política de Vizinhança e das Negociações de Alargamento
  • Direção-Geral das Parcerias Internacionais
  • Direção-Geral da Ajuda Humanitária e da Proteção Civil (ECHO)
  • Eurostat
  • Direção-Geral da Interpretação
  • Direção-Geral da Tradução
  • Serviço das Publicações da União Europeia
  • Serviço dos Instrumentos de Política Externa
  • Serviço de Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais
  • Serviço de Infraestruturas e Logística em Bruxelas
  • Serviço de Infraestruturas e Logística no Luxemburgo
  • Serviço Europeu de Seleção do Pessoal

OUTROS SERVIÇOS

  • Encarregado da proteção de dados
  • Biblioteca da Comissão Europeia
  • Escola Europeia de Administração
  • Serviço do Arquivo Histórico
  • Grupo de Trabalho Recuperação e Resiliência
  • Direção-Geral da Comunicação
Tribunal de Justiça da União Europeia (artigo 19.º do TUE)

Nenhum ordenamento pode subsistir se as suas normas não forem controladas por uma autoridade independente. Além disso, numa união de estados, há o perigo de as normas comunitárias — caso estejam sob o controlo dos tribunais nacionais — serem interpretadas e aplicadas de forma diferente em cada Estado. A aplicação uniforme do direito da UE em todos os Estados-Membros seria assim posta em causa. Foram estes os motivos que, já em 1952, quando foi instituída a primeira Comunidade (a CECA), levaram à criação de um Tribunal de Justiça. Em 1957, passou também a ser o órgão judicial para as duas outras Comunidades (C[E]E e Euratom). O Tribunal de Justiça da União Europeia tem sede no Luxemburgo.

Hoje em dia, é o órgão judicial da UE. O trabalho judicial é agora realizado em dois níveis:

Em 2004, para diminuir a sobrecarga do Tribunal de Justiça e melhorar a proteção jurídica na UE, o Conselho Europeu decidiu criar no Tribunal Geral um tribunal especializado para litígios administrativos (cf. artigo 257.º do TUE). Contudo, em 2015, o legislador da União decidiu aumentar gradualmente o número de juízes do Tribunal Geral (para 54 em 2020) e transferir para esse tribunal a jurisdição do Tribunal da Função Pública. Este tribunal foi, pois, dissolvido em 1 de setembro de 2016.

Composição do Tribunal de Justiça

27 juízes

e ainda

11 advogados-gerais

nomeados de comum acordo pelos Governos dos Estados-Membros por um período de 6 anos

TIPOS DE PROCESSOS

  • Ações por incumprimento dos tratados: Comissão contra um Estado-Membro (artigo 258.º do TFUE); Estado-Membro contra Estado-Membro (artigo 259.º do TFUE).
  • Recursos de anulação e ações por omissão de uma instituição da UE ou um Estado-Membro (contra o PE e/ou o Conselho) relativamente a atos jurídicos ilegais ou omissão de atos jurídicos (artigos 263.º e 265.º do TFUE).
  • Reenvio prejudicial a pedido de um órgão jurisdicional de um Estado-Membro sobre a interpretação e a validade do direito da UE (artigo 267.º do TFUE).
  • Recursos contra decisões do Tribunal Geral (256.º do TFUE).

O Tribunal de Justiça é a jurisdição suprema para todas as questões decorrentes do direito da UE. Compete-lhe, na generalidade e para esse efeito, garantir «o respeito do direito na interpretação e aplicação dos tratados».

Esta apresentação geral das suas funções comporta três domínios fundamentais:

  • Controlo do respeito do direito da União, quer no que toca à conduta das instituições da UE aquando da aplicação das disposições dos Tratados, quer ao cumprimento das obrigações decorrentes do direito da UE pelos Estados-Membros e pessoas singulares.
  • Interpretação do direito da UE.
  • Desenvolvimento da legislação da UE.

O Tribunal de Justiça desempenha estas funções através de atividades de consulta jurídica e de jurisprudência. A consulta jurídica assume os contornos de pareceres vinculativos sobre acordos que a União pretende celebrar com países terceiros ou organizações internacionais. O seu papel de instância jurisprudencial é, porém, muito mais significativo. Neste contexto, o Tribunal de Justiça tem competências que no sistema jurídico dos Estados-Membros estão repartidas por várias jurisdições. Assim, age enquanto jurisdição constitucional nos litígios entre as instituições da União e no controlo da legalidade da legislação da União; é uma jurisdição administrativa para verificar os atos administrativos adotados pela Comissão ou pelas autoridades dos Estados-Membros na aplicação do direito da UE; funciona enquanto jurisdição social e do trabalho para as questões atinentes à liberdade de circulação, à segurança social dos trabalhadores e à igualdade de tratamento entre homens e mulheres no mundo do trabalho; tem um papel de jurisdição financeira para questões de validade e interpretação das diretivas relativas a direito fiscal e aduaneiro; e é uma jurisdição cível para julgar ações de reparação de danos ou para a interpretação da legislação relativa ao reconhecimento e à execução das decisões judiciais em matéria cível e comercial.

Tribunal Geral

O número de processos que dão entrada no Tribunal de Justiça tem crescido de forma constante com o passar do tempo, e irá aumentar ainda mais se pensarmos nos potenciais conflitos que poderão surgir com a aprovação de numerosas diretivas para a realização do mercado interno que terão de ser transpostas para o direito nacional nos Estados-Membros. Outras dúvidas a que o Tribunal terá, em última análise, de dar resposta já se prefiguram no quadro do Tratado da UE. Para diminuir a pressão sobre o Tribunal de Justiça foi criado, já em 1988, um Tribunal Geral.

Composição do Tribunal Geral

54 juízes

2 juízes por Estado-Membro, nomeados de comum acordo pelos Governos dos Estados-Membros por um período de 6 anos

TIPOS DE PROCESSOS

  • Recursos de anulação e ações por omissão interpostos por pessoas singulares ou coletivas contra atos jurídicos ilegais ou omissão de atos jurídicos; ações interpostas por Estados-Membros contra a Comissão e/ou o Conselho no domínio das subvenções, das medidas anti-dumping e das competências de execução (artigos 263.º e 265.º do TFUE).
  • Ações para reparação de perdas e danos em razão de responsabilidade contratual e não contratual (artigo 268.º e artigo 340.º, n.os 1 e 2, do TFUE).

O Tribunal Geral não é uma nova instituição da UE, mas antes um órgão do Tribunal de Justiça da União Europeia. No entanto, é independente e está organicamente separado do Tribunal de Justiça. Possui uma estrutura administrativa própria e um regulamento de processo. Os processos que dão entrada no Tribunal Geral são classificados com a letra «T» (Tribunal), seguida do número (p. ex., T 1/20), enquanto os do Tribunal de Justiça são classificados com a letra «C» (Court), seguida do número (p. ex., C 1/20).

Embora tenha começado por ser responsável apenas por um número limitado de queixas, o Tribunal Geral dispõe atualmente das seguintes competências:

  • Em primeira instância, ou seja, sob a jurisdição do Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral é responsável pelos recursos de anulação e ações por omissão interpostas por pessoas singulares e coletivas contra um órgão da UE, ações interpostas por Estados-Membros contra a Comissão e/ou o Conselho no domínio das subvenções, das medidas anti-dumping e das competências de execução, decisões com base numa cláusula compromissória contida num Tratado celebrado pela UE ou por sua conta, e ações de reparação/ /indemnização de danos contra a UE.
  • Está também previsto que em determinados domínios especializados possam ser delegadas no Tribunal Geral competências para reenvios prejudiciais, possibilidade que, no entanto, não foi ainda usada.
Banco Central Europeu (artigos 129.º e 130.º do TFUE)

O Banco Central Europeu tem a sua sede em Frankfurt am Main e está no cerne da União Económica e Monetária, cabendo-lhe determinar o volume das emissões da moeda europeia, o euro, sendo também o responsável pela estabilidade desta divisa (artigo 128.º do TFUE).

Para que o BCE possa levar a bom termo a sua missão, inúmeras são as disposições que consagram a sua independência. Nem o BCE nem nenhum banco central de um Estado-Membro pode receber instruções das instituições da UE, dos governos dos Estados-Membros ou de qualquer outra entidade quando exerce os seus poderes e no cumprimento das suas atribuições e deveres. As instituições da UE e os governos dos Estados-Membros comprometem-se a não fazer nenhuma tentativa neste sentido (artigo 130.º do TFUE).

O Sistema Europeu de Bancos Centrais é composto pelo BCE e pelos bancos centrais dos Estados-Membros (artigo 129.º do TFUE). Cabe-lhe conceber e executar a política monetária da UE, e só ele pode autorizar a emissão de notas e de moedas na UE. Compete-lhe ainda gerir as reservas cambiais oficiais dos Estados-Membros e promover o bom funcionamento dos sistemas de pagamentos da União (artigo 127.º, n.º 2, do TFUE).

Tribunal de Contas (artigos 285.º e 286.º do TFUE)

O Tribunal de Contas foi criado em 22 de julho de 1975 e iniciou funções em outubro de 1977 no Luxemburgo, tendo entretanto granjeado o estatuto de instituição da União (artigo 13.º do Tratado da UE). É composto por 27 membros, o que corresponde ao número atual de Estados-Membros. Estes são nomeados por um período de seis anos pelo Conselho, que aprova a lista dos membros estabelecida em conformidade com as propostas apresentadas por cada Estado-Membro, por maioria qualificada, após consulta do Parlamento Europeu (artigo 286.º, n.º 2, do TFUE). Os membros designam de entre si, por um período de três anos, o presidente do Tribunal de Contas, que pode ser reeleito.

A missão do Tribunal de Contas é examinar a legalidade e a regularidade das receitas e despesas e garantir a boa gestão financeira. A principal arma do Tribunal de Contas é o efeito mediático. Os resultados da sua atividade de fiscalização são compilados, após o encerramento do exercício orçamental, num relatório anual que é publicado no Jornal Oficial da União Europeia, tornando-se assim conhecido da opinião pública. O Tribunal de Contas pode ainda, em qualquer momento, apresentar observações sobre determinadas questões, nomeadamente sob a forma de relatórios especiais, que são igualmente publicadas no Jornal Oficial da União Europeia.

Órgãos consultivos

Comité Económico e Social Europeu (artigo 301.º do TFUE)

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) assegura a representação institucional na UE dos diferentes grupos da vida económica e social, designadamente os empregadores e os trabalhadores, os agricultores, as empresas de transporte, os comerciantes, os artesãos, os profissionais liberais e os responsáveis por pequenas e médias empresas. Os consumidores, os ambientalistas e o setor associativo estão igualmente representados no Comité.

O Comité é composto por um máximo de 350 membros (atualmente são 326) provenientes das estruturas mais representativas dos Estados-Membros. São nomeados por um período de cinco anos pelo Conselho, que aprova a lista dos membros estabelecida em conformidade com as propostas apresentadas por cada Estado-Membro.

A repartição pelos Estados-Membros é feita da seguinte forma:
Alemanha, França, Itália 24
Espanha e Polónia 21
Roménia 15
Bélgica, Bulgária, Chéquia, Grécia, Hungria, Países Baixos, Áustria, Portugal, Suécia 12
Dinamarca, Irlanda, Croácia, Lituânia, Eslováquia, Finlândia 9
Eslovénia, Letónia 7
Estónia 6
Chipre, Luxemburgo, Malta 5

Os conselheiros estão organizados em três grupos (empregadores, trabalhadores e representantes da sociedade civil). Os pareceres que a assembleia plenária adota são elaborados por «grupos especializados». Acresce que o CESE coopera estreitamente com as comissões e os grupos de trabalho especializados do Parlamento Europeu.

Em determinadas circunstâncias, deve ser consultado no processo legislativo. Pode também emitir pareceres de sua própria iniciativa. Estes pareceres constituem uma síntese de posições por vezes muito díspares e extremamente úteis para o Conselho e a Comissão, pois dão a conhecer as alterações que os grupos diretamente visados pelas propostas gostariam de nelas ver introduzidas.

O CESE tem sede em Bruxelas.

Comité das Regiões (artigo 305.º do TFUE)

Por força do Tratado da UE (Tratado de Maastricht), um novo órgão consultivo veio juntar-se ao Comité Económico e Social Europeu: o Comité das Regiões Europeu. À semelhança do CESE, o Comité das Regiões não é uma instituição da UE, uma vez que só exerce funções consultivas. Ao contrário das autênticas instituições da UE (Parlamento, Conselho Europeu, Conselho, Comissão, Tribunal de Justiça, BCE, Tribunal de Contas), não lhe compete produzir decisões juridicamente vinculativas.

Tal como o CESE, o Comité das Regiões é composto por um máximo de 350 membros (atualmente são 329), que representam as autoridades regionais e locais dos Estados-Membros que foram mandatadas para governar através de eleições, ou que respondem politicamente perante uma Assembleia eleita.

A repartição pelos Estados-Membros é feita da seguinte forma:
Alemanha, França, Itália 24
Espanha, Polónia 21
Roménia 15
Bélgica, Bulgária, Chéquia, Grécia, Hungria, Países Baixos, Áustria, Portugal, Suécia 12
Dinamarca, Irlanda, Croácia, Lituânia, Eslováquia, Finlândia 9
Estónia, Letónia, Eslovénia 7
Chipre, Luxemburgo 6
Malta 5

Há uma série de domínios em que é necessária a consulta do Conselho ou da Comissão (consulta obrigatória): educação, cultura, saúde pública, redes transeuropeias, transportes, telecomunicações e infraestrutura energética, coesão económica e social, e política de emprego e legislação social. Além disso, o Comité das Regiões é regularmente consultado pelo Conselho, mesmo sem obrigação jurídica, sobre os mais diversos projetos legislativos (consulta facultativa).

O Comité das Regiões Europeu tem sede em Bruxelas.

O Banco Europeu de Investimento (artigo 308.º do TFUE)

A UE dispõe, para o seu «desenvolvimento equilibrado e harmonioso», de um organismo financeiro sediado no Luxemburgo, o Banco Europeu de Investimento. O banco tem por missão conceder empréstimos e garantias em todos os setores da economia, em especial com vista à valorização das regiões menos desenvolvidas, à modernização ou reconversão de empresas e à criação de novos postos de trabalho, assim como para projetos de interesse comum para vários Estados-Membros.

A ORDEM JURÍDICA DA UNIÃO EUROPEIA

A organização institucional da UE (a sua «constituição»), atrás descrita, principalmente no que respeita aos seus valores fundamentais, é inicialmente muito abstrata e para se tornar efetiva necessita do direito da UE. A UE é, assim, um fenómeno jurídico sob dois pontos de vista: é uma criação do direito e é uma ordem jurídica.

A UE, uma criação do direito e uma União baseada no direito

A característica decisivamente inovadora da UE em relação às tentativas anteriores reside no facto de que, para unificar a Europa, não usa a violência ou a submissão, mas antes a força do direito. Só uma união baseada no livre-arbítrio poderá ter um futuro duradouro — uma união baseada em valores fundamentais, como a liberdade e a igualdade, e preservada e concretizada pelo direito. É neste entendimento que se baseiam os tratados constitutivos da União Europeia.

Contudo, a UE não é só uma criação do direito, como também recorre exclusivamente ao direito na prossecução dos seus fins. Por outras palavras, é uma União baseada no direito. É o direito da União, não a força do poder, que regula a coexistência económica e social dos cidadãos dos Estados-Membros. É o direito da União que constitui a base do sistema institucional. É esse direito que define os processos de decisão das instituições da União e que regula as relações destas entre si. Atribui-lhes poderes de ação através de regulamentos, diretivas e decisões que podem ser aprovados e constituir atos jurídicos vinculativos para os Estados-Membros e seus nacionais. Os cidadãos tornam-se, assim, uma das principais preocupações da União, e a ordem jurídica influencia cada vez mais diretamente a sua vida quotidiana. Confere-lhes direitos e impõe-lhes obrigações, quer como nacionais de um Estado, quer como cidadãos da União, ficando estes submetidos a ordens jurídicas de níveis diferentes, tal como sucede num regime constitucional federal. Como em qualquer ordem jurídica, a ordem jurídica da UE constitui também um sistema fechado de proteção jurídica para litígios sobre o direito da UE e para a sua aplicação. O direito da UE determina igualmente as relações da UE com os Estados-Membros. Compete a estes tomar todas as medidas adequadas para o cumprimento das obrigações que lhes incumbem por força dos Tratados ou dos atos das instituições da União. Compete-lhes ainda facilitar a ação da UE e abster-se de tomar quaisquer medidas suscetíveis de pôr em risco a realização dos objetivos dos Tratados. Os Estados-Membros respondem perante os cidadãos da UE por todos os danos causados pela violação do direito da UE.

As fontes jurídicas do direito da União Europeia

O conceito de «fonte jurídica» tem uma aceção dupla: o sentido inicial do termo aponta para a razão do nascimento do direito, isto é, a motivação na essência do direito. Assim, a «fonte jurídica» do direito da UE foi a vontade de preservar a paz e de construir uma Europa mais próspera pela via da integração económica, as duas pedras basilares a que se deve a existência da União Europeia. Em linguagem jurídica, em contrapartida, o conceito de «fonte jurídica» consubstancia a origem e a fundamentação do direito.

Os tratados fundadores da União Europeia como fonte principal do direito da UE

Temos como primeira fonte do direito da UE os tratados constitutivos da UE, incluindo os respetivos anexos e protocolos, bem como aditamentos e alterações posteriores. Estes tratados constitutivos e os respetivos aditamentos e alterações, sobretudo introduzidos pelos Tratados de Maastricht, Amesterdão, Nice e Lisboa, bem como os diferentes Tratados de Adesão, contêm as normas jurídicas fundamentais relativas aos objetivos, à organização e ao modo de funcionamento da UE, bem como partes do seu direito económico. O mesmo se aplica à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que adquiriu o mesmo valor jurídico que os Tratados desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa (artigo 6.º, n.º 1, do TUE). São, pois, as disposições «constitucionais» de enquadramento da UE que proporcionam às instituições da UE um quadro para o exercício das suas competências legislativas e administrativas no interesse da União. Uma vez que se trata de direito criado diretamente pelos Estados-Membros, é designado, em linguagem jurídica, por direito primário da UE.

Este gráfico apresenta as fontes jurídicas do direito da UE, incluindo o direito primário e derivado, os acordos internacionais da UE, os princípios gerais do direito e as convenções entre os Estados-Membros.

As fontes jurídicas do direito da UE são as seguintes: 1) Direito primário, tais como os Tratados da UE, a Carta dos Direitos Fundamentais e os princípios gerais do direito (constitucional). 2) Acordos internacionais da UE. 3) Direito derivado, como atos legislativos (regulamentos, diretivas, decisões), atos não legislativos (atos jurídicos simples, atos delegados, atos de execução), instrumentos não vinculativos (recomendações e pareceres) e atos que não são atos jurídicos (acordos interinstitucionais, resoluções, declarações e programas de ação). 4) Os princípios gerais do direito. 5) Convenções entre os Estados-Membros, tais como acordos internacionais e decisões dos representantes dos Governos dos Estados-Membros, reunidos no Conselho.

Os atos jurídicos da União Europeia como fonte secundária do direito da UE

O direito criado pelas instituições da União no exercício das suas competências derivadas tem a designação de direito derivado e é a segunda fonte importante do direito da UE.

Resulta de atos legislativos, atos não legislativos (atos jurídicos simples, atos delegados, atos de execução), instrumentos não vinculativos (pareceres, recomendações) e outros atos que não são atos jurídicos (p. ex., acordos interinstitucionais, resoluções, declarações, programas de ação). Os «atos legislativos» (artigo 289.º do TFUE) são atos jurídicos adotados no processo legislativo ordinário ou num processo legislativo especial. Os «atos delegados» (artigo 290.º do TFUE) são atos não legislativos de alcance geral e vinculativo, que permitem alterar ou completar determinados elementos não essenciais de um ato legislativo. São adotados pela Comissão, instituição na qual o poder deve ser expressamente delegado por meio de um ato legislativo. Caso sejam necessárias condições uniformes de execução dos atos juridicamente vinculativos da União, estas são estabelecidas através dos respetivos atos de execução, regra geral aprovados pela Comissão e, excecionalmente, pelo Conselho (artigo 291.º do TFUE). As instituições da União podem emitir recomendações e pareceres sob a forma de atos jurídicos não vinculativos. Existe finalmente toda uma série de «atos que não são atos jurídicos» e que permitem às instituições da União emitir declarações e comunicados não vinculativos, ou que regulam a vida interna da UE e das suas instituições, como é o caso dos regulamentos consensuais, dos acordos interinstitucionais, ou dos regulamentos internos das instituições.

Estes atos legislativos e não legislativos podem assumir formas totalmente distintas, sendo que os mais importantes estão enumerados e definidos no artigo 288.º do TFUE. Nos atos jurídicos vinculativos estão incluídos regulamentos, diretivas e decisões. Os atos jurídicos não vinculativos consistem em recomendações e pareceres. Contudo, a lista dos atos enunciados não é exaustiva. Existem muitos outros atos jurídicos que não se enquadram em categorias específicas. Entre estes contam-se as resoluções, as declarações, os programas de ação ou os Livros Brancos e Verdes. Existem diferenças consideráveis entre as diferentes formas de ação no que se refere ao procedimento de adoção, às suas consequências jurídicas e aos seus destinatários. Estas diferenças serão analisadas com mais detalhe no capítulo «instrumentos de ação da União Europeia».

ATOS JURíDICOS VINCULATIVOS

  • Regulamentos
  • Diretivas
  • Decisões

ATOS LEGISLATIVOS

= atos jurídicos adotados de acordo com o processo legislativo ordinário

ATOS JURíDICOS SIMPLES

= atos jurídicos não adotados de acordo com o processo legislativo

ATOS DELEGADOS

Artigo 290.º do TFUE

ATOS DE EXECUçãO

Artigo 291.º do TFUE

ATOS JURíDICOS NãO VINCULATIVOS

  • Recomendações
  • Pareceres

OUTRAS FORMAS DE AçãO QUE NãO SãO ATOS JURíDICOS

  • Resoluções
  • Declarações
  • Comunicações da Comissão
  • Programas de ação
  • Livros Brancos
  • Livros Verdes

A criação do direito derivado da UE é um processo gradual e a sua adoção confere vitalidade ao direito primário da União criado pelos Tratados da UE, assim se construindo e completando, gradualmente, a ordem jurídica europeia.

Acordos internacionais da União Europeia

A terceira fonte de direito da UE está ligada ao papel da UE no plano internacional. Como um dos polos do mundo, a Europa não se pode limitar apenas à gestão dos seus assuntos internos e deve, pelo contrário, procurar desenvolver as relações económicas, sociais e políticas com outros países do mundo. Com este objetivo, a UE celebra com os países não membros da UE (os chamados países terceiros) e com outras organizações internacionais acordos de direito internacional. Os acordos apresentados a seguir são particularmente relevantes:

Acordos de associação

A associação vai além da mera regulamentação de questões de política comercial, visando uma cooperação económica estreita associada a um vasto apoio financeiro da UE aos parceiros envolvidos (artigo 217.º do TFUE). Distinguem-se três tipos de acordos de associação.

Acordos destinados a salvaguardar relações especiais de certos Estados-Membros da UE com países terceiros

O motivo para a criação do instrumento de associação foi sobretudo a existência de países e territórios ultramarinos que mantinham relações económicas muito estreitas com a Dinamarca, a França, os Países Baixos e o Reino Unido, enquanto herança do seu passado colonial. Uma vez que a introdução de uma regulamentação aduaneira comum na UE iria prejudicar consideravelmente o comércio externo com esses territórios, impunha-se adotar disposições especiais. A finalidade da associação destes países e territórios é promover o seu desenvolvimento económico e social e estabelecer relações económicas estreitas entre estes e a União no seu conjunto (artigo 198.º do TFUE). Há, por isso, toda uma série de regulamentos preferenciais que possibilitam a importação de mercadorias provenientes destes países e territórios com redução ou até mesmo isenção de direitos aduaneiros. A assistência financeira e técnica da UE processa-se através do Fundo Europeu de Desenvolvimento. Na prática, o acordo de longe mais importante é o Acordo de parceria UE-ACP, que liga a UE a 70 países de África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP). Este acordo está atualmente a ser transformado em acordos de parceria económica a nível regional, que concedem gradualmente aos países ACP um livre acesso ao mercado interno europeu.

Acordos destinados a preparar uma eventual adesão e a criar uma união aduaneira

A associação pode também destinar-se a preparar a eventual adesão de um país à UE. Trata-se de um passo que antecede uma eventual adesão e que se destina a aproximar as condições económicas do país candidato à adesão das condições existentes na UE. Esta estratégia está atualmente a ser prosseguida para os países dos Balcãs Ocidentais (Bósnia-Herzegovina, Kosovo, Montenegro, Sérvia). Nestes casos, o processo de adesão está a ser apoiado por um processo ampliado de estabilização e associação que irá proporcionar o quadro alargado necessário para uma aproximação dos países dos Balcãs Ocidentais à UE até à sua adesão. O processo de estabilização e associação procura alcançar três objetivos: (1) estabilização e rápida transição para uma economia de mercado viável; (2) promoção da cooperação regional; (3) perspetiva de adesão à UE. O processo de estabilização e associação baseia-se numa parceria progressiva em que a UE oferece concessões comerciais, apoio económico e financeiro, bem como uma relação contratual sob a forma de acordos de estabilização e associação. Importa que cada país consiga fazer progressos no quadro do processo de estabilização e associação por forma a cumprir os requisitos para uma eventual adesão. Os progressos alcançados pelos países dos Balcãs Ocidentais no sentido de uma eventual adesão à UE são avaliados através de relatórios anuais.

Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE)

O Acordo sobre o EEE proporcionou aos países restantes da EFTA (Islândia, Listenstaine e Noruega) o acesso ao mercado interno da UE, ao mesmo tempo que lançou os alicerces seguros para uma eventual ulterior adesão destes países à UE, impondo-lhes a adoção de cerca de dois terços da legislação da União. Com base no direito primário e derivado («acervo comunitário») da União, pretendia-se no EEE concretizar a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais, criar regras uniformes em matéria de concorrência e auxílios estatais e reforçar a cooperação nas políticas horizontais e de acompanhamento (por exemplo, nos domínios da proteção do ambiente, da investigação e do desenvolvimento, bem como da educação).

Duas pessoas, vestidas com roupa de inverno, caminham numa rua de casas coloridas coberta de neve, virados para o mar que está junto a uma montanha também coberta de neve.

A Noruega (na fotografia, o arquipélago de Svalbard) é membro do Espaço Económico Europeu, que também inclui a Islândia, o Listenstaine e os 27 Estados-Membros da UE. As quatro liberdades (livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais) são aplicáveis no Espaço Económico Europeu.

Acordos de cooperação

Os acordos de cooperação não vão tão longe quanto os acordos de associação, uma vez que preveem apenas uma cooperação económica intensiva. A UE tem acordos deste tipo com os países do Magrebe (Argélia, Marrocos e Tunísia), os países do Maxerreque (Egito, Jordânia, Líbano e Síria) e com Israel.

Acordos comerciais

A UE celebrou também inúmeros acordos comerciais em matéria de política aduaneira e comercial com países terceiros, grupos de países terceiros ou ainda no âmbito de organizações comerciais internacionais. Os acordos comerciais internacionais mais importantes são o Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio e os acordos comerciais multilaterais dele decorrentes, incluindo, em especial, o Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994; o Código de Medidas Anti-dumping e Antissubvenções; o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços; o Acordo sobre os aspetos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio; e o Memorando de Entendimento sobre as Regras e Processos que regem a Resolução de Litígios. Contudo, os acordos bilaterais de comércio livre têm vindo a ganhar cada vez mais terreno em relação aos acordos multilaterais. Devido às enormes dificuldades inerentes à celebração de acordos de liberalização multilaterais no quadro da Organização Mundial do Comércio, por exemplo, todas as potências comerciais, incluindo a UE, começam a preferir celebrar acordos bilaterais de comércio livre. Exemplos recentes são a conclusão bem-sucedida das negociações comerciais com o Canadá, o Chile, o Japão, o México, Singapura, a Coreia do Sul, o Vietname, os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e a Nova Zelândia, bem como a celebração de um acordo de parceria entre a UE e a Organização dos Estados de África, Caraíbas e Pacífico (anteriormente Estados ACP). Mais negociações comerciais estão atualmente em curso, nomeadamente com a Austrália, a Índia e a Indonésia.

As fontes não escritas do direito

Todas as fontes do direito da UE até aqui descritas têm em comum o facto de serem fontes de direito escrito. No entanto, como qualquer outra ordem jurídica, também a ordem jurídica da UE não pode ser constituída apenas por normas escritas, pois todas as ordens jurídicas têm lacunas que deverão ser colmatadas por direito não escrito.

Os princípios gerais do direito

Os princípios gerais do direito são fontes não escritas do direito da UE. Tratam-se de normas que traduzem conceitos fundamentais de direito e justiça, às quais qualquer ordem jurídica está obrigada. O direito escrito da UE, que fundamentalmente só regula situações económicas e sociais, cumpre esta obrigação apenas em parte. Desta forma, os princípios gerais de direito são uma das fontes mais importantes do direito da UE. Os referidos princípios permitem colmatar as lacunas existentes ou desenvolver de forma mais justa o direito estabelecido através de interpretação, recorrendo ao princípio da equidade.

A concretização destes princípios é feita através da aplicação do direito, principalmente através da jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE, que, no âmbito das suas atribuições, «garante o respeito do direito na interpretação e aplicação do Tratado». Os principais pontos de referência para determinar os princípios gerais de direito são os princípios gerais comuns às ordens jurídicas dos Estados-Membros. Fornecem o material a partir do qual se cria, no âmbito do direito da UE, a regra necessária à solução de um problema.

Paralelamente aos princípios da autonomia, da aplicabilidade direta e do primado do direito da UE, existem outros princípios jurídicos que incluem a proteção dos direitos fundamentais (pelo menos para a Polónia, que não está sujeita à Carta dos Direitos Fundamentais devido à cláusula de exclusão), o princípio da proporcionalidade (que foi efetivamente regulamentado por uma disposição positiva no artigo 5.º, n.º 4, do TUE), o princípio da proteção da confiança legítima, o direito à justiça ou ainda o princípio da responsabilidade dos Estados-Membros em caso de violação do direito da UE.

O direito consuetudinário

O direito consuetudinário faz também parte das fontes não escritas do direito da UE e pode definir-se como o direito que nasce da prática e da convicção jurídica e que completa ou altera o direito primário ou o derivado. A possibilidade da existência do costume no direito da UE é, em princípio, reconhecida. Todavia, na prática levantam-se consideráveis restrições à real constituição do direito consuetudinário ao nível do direito da UE. Uma primeira dificuldade é a que decorre da existência de um procedimento especial para a revisão dos Tratados (artigo 48.º do TUE) que, apesar de não excluir pura e simplesmente a constituição do direito consuetudinário, determina uma maior dificuldade quanto ao cumprimento dos critérios a estabelecer para fazer prova da sua existência e da respetiva certeza jurídica. A segunda dificuldade resulta do facto de a validade de qualquer ato das instituições da UE só poder ser apreciada à luz dos tratados e não do comportamento real ou da vontade da instituição de criar relações jurídicas. Em consequência, e de acordo com os tratados, o direito consuetudinário não pode de forma nenhuma ser estabelecido pelas instituições da UE, mas só e eventualmente pelos Estados-Membros e apenas em conformidade com os rigorosos critérios já mencionados. Os procedimentos e as certezas jurídicas dos órgãos da UE não podem, no entanto, resultar da interpretação das disposições jurídicas emanadas destas instituições, o que, dependendo das circunstâncias, pode alterar significativamente as consequências de caráter jurídico e prático do ato jurídico em questão, devendo, no entanto, ser também devidamente considerados os requisitos e restrições estipulados pelo direito primário da UE.

Acordos entre os Estados-Membros da UE

A última fonte de direito da UE consiste nos acordos celebrados entre Estados-Membros. Trata-se, por um lado, de acordos com vista à regulamentação de questões que têm ligação estreita com a atividade da UE, mas para as quais nenhuma competência foi atribuída às instituições da UE (por exemplo, o tratado de 2012 sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária, também conhecido como Pacto Orçamental, que foi celebrado sem a República Checa). Por outro, existem verdadeiros acordos internacionais (tratados e convenções) entre Estados-Membros, visando, nomeadamente, alargar o campo de aplicação das normas nacionais e criar um direito uniformemente aplicável na União. Estes acordos são da maior importância no domínio do direito privado internacional (por exemplo, a Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, de 1980).

Os instrumentos de ação da União Europeia

A consecução dos objetivos prosseguidos pela UE exige uma ação por parte das suas instituições que permita à União Europeia equilibrar as diversas e desiguais condições económicas, sociais e até ambientais nos Estados-Membros. O direito da UE deve, por conseguinte, disponibilizar um conjunto de atos jurídicos, à semelhança daquele de que as instituições dos Estados necessitam e dispõem para o exercício das suas funções a nível nacional.

A utilização dos instrumentos de ação tradicionais dos Estados-Membros, que poderia parecer uma solução óbvia, nem sequer foi considerada, uma vez que estes usam diferentes formas de ação a nível nacional que variam de país para país, e a adoção do modelo de um só Estado-Membro dificilmente poderia satisfazer as necessidades e os interesses da UE como um todo. Por conseguinte, já no momento da criação da CEE, os fundadores viram-se confrontados com a difícil tarefa de «desenvolver» um conjunto de instrumentos de ação adaptados às estruturas e competências da Comunidade. A principal questão que se colocava na altura era a da natureza e dos efeitos que tais atos jurídicos deveriam ter. Considerou-se, por um lado, que as instituições deviam estar em condições de harmonizar de forma eficaz, isto é, sem dependerem da boa vontade dos Estados-Membros, as diversas e desiguais condições económicas, sociais e até ecológicas destes países, proporcionando a todos os cidadãos da UE as melhores condições de vida possíveis. Por outro lado, as instituições só deviam interferir nas ordens jurídicas nacionais na medida em que fosse necessário. Todo o sistema de ação jurídica e jurisprudência da UE obedece, por isso, ao princípio segundo o qual quando é necessária uma regulamentação comum a todos os Estados-Membros, inclusive nos pormenores, as disposições nacionais devem ser substituídas por um ato comunitário, mas quando não existe tal necessidade importa atender às ordens jurídicas dos Estados-Membros.

Foi com este pano de fundo que se desenvolveram os instrumentos que permitem às instituições da UE incidir, em graus diferentes, sobre os ordenamentos jurídicos nacionais. A forma extrema desta ação é a substituição das normas nacionais por normas da UE. Seguem-se as normas da UE que permitem às instituições da UE incidir apenas indiretamente sobre o ordenamento jurídico dos Estados-Membros. Prevê-se ainda a possibilidade de, para a regulamentação de casos concretos, serem tomadas medidas em relação a um destinatário determinado ou determinável. Por último, estão previstos também atos jurídicos que não contêm nenhuma disposição vinculativa para os Estados-Membros ou para os cidadãos da União.

Ao analisar a gama de instrumentos jurídicos do sistema normativo da UE, na perspetiva dos destinatários e dos efeitos que produzem nos Estados-Membros e com base no artigo 288.º do TFUE os instrumentos podem ser divididos da seguinte forma.

Este gráfico discrimina os tipos de instrumentos jurídicos da UE baseados no artigo 288.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, incluindo regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e pareceres.

O sistema de instrumentos jurídicos da UE pode ser dividido da seguinte forma, com base no artigo 288.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Regulamentos: aplicam-se a todos os Estados-Membros e a todas as pessoas singulares e coletivas. São diretamente aplicáveis e vinculativos em todos os seus elementos. Diretivas: aplicam-se a todos ou a determinados Estados-Membros. São vinculativas relativamente aos resultados esperados e diretamente aplicáveis apenas em circunstâncias específicas. Decisões (tipo 1): destinam-se a todos ou a determinados Estados-Membros e a pessoas singulares ou coletivas específicas. São diretamente aplicáveis e vinculativas em todos os seus elementos. Decisões (tipo 2): não se destinam especificamente aos destinatários e são vinculativas em todos os seus elementos. Recomendações: destinam-se a todos ou a determinados Estados-Membros, a outras instituições da UE e a pessoas singulares. Não são vinculativas. Pareceres: destinam-se a todos ou a determinados Estados-Membros, a outras instituições da UE ou a destinatários indeterminados. Não são vinculativas.

Regulamentos como «leis» da União Europeia

Os atos jurídicos através dos quais as instituições da UE podem interferir mais profundamente nas ordens jurídicas nacionais são os regulamentos, que têm duas características muito invulgares no direito internacional:

  • A primeira característica é o seu âmbito da UE, que consiste na particularidade de imporem um direito igual a toda a União sem ter em conta as fronteiras e com validade uniforme e integral em todos os Estados-Membros. Isto significa que um Estado-Membro não pode, por exemplo, aplicar as disposições de um regulamento apenas parcialmente ou decidir quais as que irá aplicar para, desse modo, excluir as normas a que um Estado-Membro já se tenha oposto durante o processo de decisão ou que sejam contrárias a certos interesses nacionais. Os Estados-Membros também não podem recorrer a normas ou usos do direito nacional para se subtraírem à obrigatoriedade das disposições dos regulamentos.
  • A segunda característica é a sua aplicabilidade direta, ou seja, o facto de o disposto nos regulamentos estabelecer um mesmo direito que não carece de normativas especiais de aplicação de caráter nacional, conferindo direitos e impondo obrigações diretamente aos cidadãos da União. Os Estados-Membros, incluindo as suas instituições, tribunais e autoridades, estão diretamente vinculados ao direito da UE e devem respeitá-lo da mesma forma que o direito nacional.

As similitudes destes atos jurídicos com as leis nacionais são manifestas e, por serem adotadas conjuntamente pelo Parlamento e pelo Conselho (no âmbito do chamado processo legislativo ordinário — ver o capítulo «O processo legislativo na UE»), designam-se, por conseguinte, como «atos legislativos». Aos regulamentos que emanam exclusivamente do Conselho Europeu e da Comissão Europeia falta-lhes esta componente de corresponsabilização parlamentar, e assim, pelo menos formalmente, não apresentam todas as características essenciais de uma lei.

Diretivas

Juntamente com o regulamento, a diretiva é o instrumento legislativo mais importante. Trata-se de um ato através do qual se procura conciliar a necessária unidade do direito da UE com a manutenção das diversas peculiaridades nacionais. Assim, o principal objetivo da diretiva não é (como no caso do regulamento) a unificação do direito, mas antes uma harmonização das diversas legislações que permita eliminar as contradições e os conflitos entre as disposições legislativas e administrativas dos Estados-Membros ou suprimir paulatinamente as diferenças, de modo que sejam criadas nos diversos Estados-Membros condições tão idênticas quanto possível. Em consequência, a diretiva é um dos instrumentos básicos para a consecução do mercado interno.

A diretiva vincula os Estados-Membros apenas quanto ao resultado a alcançar, deixando às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios para realizar os objetivos estabelecidos pela UE no quadro da ordem jurídica nacional. Esta participação dos Estados-Membros reflete a intenção de intervir na estrutura jurídica e administrativa nacional de forma mais atenuada, o que permite ter em conta as particularidades dos Estados-Membros na realização dos objetivos da UE. As disposições de uma diretiva não substituem automaticamente as do direito nacional; são os Estados-Membros que ficam obrigados a transpor para o direito nacional as normas comunitárias, o que implica a necessidade de um procedimento de criação do direito dividido em duas fases:

Primeiro, na fase inicial, ao nível da UE, a diretiva estabelece o objetivo proposto de forma vinculativa para os destinatários, que são vários ou todos os Estados-Membros, e que deverão realizá-lo num prazo determinado. As instituições da UE podem determinar esse objetivo através de normas de tal modo pormenorizadas que os Estados-Membros não disponham de espaço de manobra para dar uma configuração própria às suas disposições de transposição. É o que se passa sobretudo no âmbito das normas técnicas, bem como do ambiente.

Dois clientes numa loja de eletrodomésticos seguram, lado a lado, duas etiquetas energéticas da UE, uma nova e uma antiga. A nova etiqueta inclui um código QR, pictogramas atualizados e uma escala de eficiência energética revista de A a G, ao passo que o antigo rótulo varia entre A+++ e D.

A Diretiva 2012/27/UE de 25 de outubro de 2012 (Diretiva Eficiência Energética) contém um pacote de medidas vinculativas destinadas a contribuir para a consecução do objetivo da UE de aumentar, até 2020, a eficiência energética em 20 %. Os Estados-Membros deveriam ter transposto a diretiva para o direito nacional até 5 de junho de 2014.

Em segundo lugar, na fase nacional, a realização do objetivo previsto no dispositivo da UE compete ao direito nacional de cada um dos Estados­-Membros. Embora os Estados-Membros tenham essencialmente liberdade para escolher a forma e os meios da transposição, a avaliação para determinar se a transposição dessas normas se efetuou de acordo também com o direito da União é feita segundo os critérios da própria UE. O princípio fundamental a respeitar é o da criação de uma situação jurídica que permita reconhecer de forma suficientemente clara e precisa os direitos e as obrigações emanados da diretiva, de modo que os cidadãos da União os possam invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais ou a eles se oporem. Para esse efeito, é sempre necessária a adoção de um ato jurídico nacional de caráter vinculativo ou a supressão ou alteração de disposições legislativas, regulamentares e administrativas vigentes. Uma simples prática administrativa não é suficiente, já que a mesma, em virtude da sua própria natureza, pode ser alterada conforme o entender a administração de tutela e não goza de publicidade suficiente.

As diretivas não criam normalmente direitos e obrigações diretos para e contra os cidadãos da União, sendo seus destinatários expressos apenas os Estados-Membros. Os cidadãos da União só ficam, em contrapartida, sujeitos a direitos e obrigações quando as autoridades competentes dos Estados-Membros realizam os atos de execução. Em princípio, pouco importa aos cidadãos a forma como os Estados-Membros dão cumprimento às obrigações que lhes incumbem por força dos atos de direito da UE. Porém, se os Estados-Membros não aprovarem, ou aprovarem de forma deficiente, o necessário ato de execução, os cidadãos poderão vir a ser prejudicados se o objetivo previsto pela diretiva lhes proporcionava um benefício efetivo. Para evitar estes inconvenientes, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado na sua jurisprudência que os cidadãos da UE também podem, sob certas condições, fazer valer as disposições de uma diretiva e invocar os direitos nela previstos, bem como, se tal for o caso, invocá-los perante os órgãos jurisdicionais nacionais. O Tribunal de Justiça estabeleceu as condições necessárias para que a diretiva possa produzir esses efeitos diretos:

  • As disposições da diretiva devem determinar os direitos dos cidadãos e das empresas da União de forma suficientemente clara e precisa;
  • A invocação desses direitos não deve estar sujeita a nenhuma condição ou obrigação;
  • O legislador nacional não deve dispor de nenhuma margem de apreciação acerca da definição do conteúdo desses direitos;
  • O prazo de transposição da diretiva deverá ter terminado.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o efeito direto das diretivas baseia-se essencialmente na consideração de ordem geral de um Estado-Membro estar a comportar-se de forma abusiva e contrária ao direito sempre que continua a aplicar a sua anterior legislação quando já está obrigado a respeitar o objetivo previsto nas disposições da diretiva. Este comportamento por parte de um Estado-Membro é abusivo, e o reconhecimento do efeito direto da diretiva pretende evitar que o Estado-Membro em questão obtenha qualquer vantagem com a inobservância do direito comunitário. Assim, o efeito direto tem caráter de sanção para o Estado-Membro. Neste contexto, é significativo que o Tribunal de Justiça só tenha aplicado o princípio do efeito direto em processos entre cidadãos e Estados-Membros e só quando a aplicação da diretiva beneficia o cidadão da União, e não quando o prejudica, ou, por outras palavras, quando a situação do cidadão perante a lei alterada pela diretiva é mais favorável que perante a lei inalterada (o chamado «efeito direto vertical»).

Em contrapartida, o Tribunal de Justiça ainda não reconheceu o efeito direto das diretivas nas relações entre os próprios cidadãos (o chamado «efeito direto horizontal»). O Tribunal considera, devido ao próprio caráter de sanção do efeito direto, que este não pode ser aplicado a relações entre particulares, uma vez que estes não podem ser responsabilizados pela omissão do Estado-Membro, sendo preferível que se baseiem antes nos princípios da segurança jurídica e da garantia da confidencialidade. Os cidadãos da União devem estar confiantes de que ficarão sujeitos aos efeitos de uma diretiva apenas em função das medidas nacionais de transposição. Contudo, o Tribunal de Justiça desenvolveu um princípio de direito primário segundo o qual o conteúdo de uma diretiva também é aplicável a questões de direito privado, desde que dê expressão à proibição geral de discriminação. A interpretação do Tribunal de Justiça vai além da proibição de discriminação, que, tal como consta das respetivas diretivas, obriga as autoridades nacionais, e em especial os tribunais nacionais, a proporcionar, dentro dos limites da sua jurisdição, a proteção jurídica que os indivíduos usufruem do direito da UE e assegurar a total eficácia desse direito, não aplicando se for caso disso nenhuma disposição da legislação nacional que seja contrária a esse princípio. Por conseguinte, graças ao primado do direito da UE, a proibição da discriminação tal como definida nas respetivas diretivas sobrepõe-se ao direito nacional divergente. Como tal, embora não tenha posto em causa a sua jurisprudência sobre a falta de efeito horizontal das diretivas, o Tribunal acabou efetivamente por chegar a essa conclusão no que toca à proibição da discriminação em todos os processos onde se dá expressão a esta última numa diretiva. O Tribunal já antes considerou ser este o caso relativamente às diretivas que tinham por objeto as formas clássicas de discriminação em razão da nacionalidade, do sexo ou da idade. O mesmo deve, no entanto, aplicar-se a todas as diretivas adotadas para combater as razões de discriminação enunciadas no artigo 19.º do TFUE.

O efeito direto de uma diretiva não implica necessariamente que uma disposição de uma diretiva confira direitos a um particular. Em vez disso, as disposições da diretiva exercem também um efeito direto já que têm um efeito jurídico objetivo. Para reconhecer este efeito aplicam-se os mesmos requisitos que para o reconhecimento de um efeito direto, com a única diferença que em vez de um direito do cidadão ou da empresa da UE definido com clareza e rigor é determinada uma obrigação do Estado-Membro com clareza e rigor. Sendo este o caso, ficam todas as instituições, designadamente os legisladores, as administrações e os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros, vinculadas à diretiva e terão de a respeitar e aplicar ex officio como direito primário da União. Daqui resulta concretamente a obrigação de interpretar o direito nacional em conformidade com a diretiva («interpretação conforme à diretiva»), ou de fazer com que a disposição em causa da diretiva prevaleça sobre o direito nacional com que está em conflito. Além disso, as diretivas exercem determinados efeitos suspensivos sobre os Estados-Membros ainda antes de decorrido o prazo de transposição. No que se refere ao cariz vinculativo do objetivo de uma diretiva, e nos termos do princípio da cooperação leal com a UE (artigo 4.º do TUE), os Estados-Membros abstêm-se, antes de terminado o prazo de transposição, de tomar medidas que ponham em perigo a realização do objetivo da diretiva.

Acresce que nos processos apensos C-6/90 e C-9/90 Francovich e Bonifaci, de 1991, o Tribunal de Justiça reconheceu que os Estados-Membros eram obrigados a reparar os prejuízos causados pela não transposição ou pela transposição incorreta. Em ambos os processos estava em causa a responsabilidade do Estado italiano pela não transposição, dentro do prazo previsto, da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador. Esta diretiva garante o direito do trabalhador a remuneração durante o período anterior à declaração de insolvência do empregador ou ao despedimento por insolvência. Para esse fim deveriam ser criados fundos de garantia que não poderiam estar sujeitos à intervenção de outros credores dos empregadores e cujos meios financeiros resultariam de contribuições dos empregadores e/ou do Estado. O problema nestes processos residia no facto de a diretiva pretender conceder aos trabalhadores o direito de continuarem a receber uma remuneração a partir do fundo de garantia a criar. Ora, os tribunais nacionais estavam impedidos de assegurar a sua aplicabilidade direta, uma vez que, na ausência de transposição da diretiva, o fundo de garantia não tinha sido criado e não era possível determinar quem era o devedor das somas a pagar relacionadas com a situação de insolvência. O Tribunal de Justiça deliberou pois que o Estado italiano, ao não transpor a diretiva atempadamente, privou os trabalhadores em causa dos direitos instituídos pela diretiva, ficando consequentemente obrigado a indemnizá-los. Embora a obrigação de indemnizar não esteja expressamente prevista no direito da UE, o Tribunal de Justiça considera-a parte integrante da ordem jurídica da UE, uma vez que a sua plena eficácia seria posta em causa e a proteção dos direitos que a mesma reconhece estaria enfraquecida se os cidadãos da UE não tivessem a possibilidade de obter reparação quando os seus direitos são lesados devido à atuação de um Estado-Membro contrária ao direito da UE (4).

Decisões

O Tratado de Lisboa, com as «decisões», fez aumentar a variedade de instrumentos jurídicos. É possível distinguir entre duas categorias de decisões: as que designam destinatários e as decisões gerais, que não especificam a quem se destinam (cf. artigo 288.º, n.º 4, do TFUE). Enquanto as decisões que designam destinatários substituem as anteriores decisões que regulamentam casos individuais, as decisões gerais que não especificam a quem se destinam englobam uma variedade de instrumentos que têm em comum o facto de não regulamentarem casos individuais. Lamentavelmente, estes dois tipos de instrumentos jurídicos muito diferentes são designados com o mesmo nome, sendo que as inevitáveis questões de delimitação dão origem a muita incerteza jurídica. Teria sido melhor utilizar um termo para medidas que preveem casos individuais, com efeitos externos e juridicamente vinculativos para o indivíduo, e introduzir um outro termo para os outros instrumentos jurídicos com força vinculativa.

As instituições da UE (em especial o Conselho e a Comissão) utilizam habitualmente decisões que designam destinatários para desempenharem as suas funções executivas. Decisões deste tipo podem exigir que um Estado-Membro, uma empresa ou um cidadão da UE aja ou se abstenha de agir, ou conferir-lhe direitos ou impor-lhe obrigações. Trata-se exatamente da situação que existe nas ordens jurídicas nacionais, onde também são as autoridades administrativas que fixam de forma vinculativa para os cidadãos as consequências da aplicação de uma lei a um caso concreto através da aprovação de uma decisão administrativa.

Este tipo de decisão tem as seguintes características estruturais:

  • Tem aplicabilidade individual, o que a distingue do regulamento. Dirige-se apenas individualmente aos destinatários, que deve obrigatoriamente designar. Para esse efeito, basta que o universo dos destinatários seja claramente identificável na altura da produção de efeitos da decisão e que tal universo não possa posteriormente ser alterado. O conteúdo da decisão deve, pois, ser adequado para produzir efeitos diretos e precisos no que se refere à situação do destinatário. Nesse sentido, a decisão pode também afetar individualmente terceiros, uma vez que estes, devido a características pessoais ou a circunstâncias específicas, sejam suscetíveis de ser identificados em condições similares aos destinatários e, por isso e de uma forma idêntica, possam ser identificáveis como destinatários.
  • A decisão é vinculativa em todos os seus elementos, o que a distingue da diretiva, que só vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar.
  • A decisão tem aplicabilidade direta aos seus destinatários. Além disso, uma decisão dirigida a um Estado-Membro pode também, em condições idênticas às de uma diretiva, ser diretamente aplicável aos cidadãos da União.

As decisões gerais que não especificam a quem se destinam são vinculativas em todos os seus elementos, embora não seja claro quem fica vinculado por elas. Trata-se de algo que só fica determinado a partir do conteúdo de cada decisão. No caso das decisões gerais, é possível distinguir entre os seguintes tipos de instrumento:

  • Decisões que alteram as disposições dos Tratados. Estas decisões são aplicáveis de uma forma geral e abstrata, ou seja, são vinculativas para todas as instituições, órgãos, organismos e agências da UE, bem como para todos os Estados-Membros. Refiram-se, por exemplo, as decisões que simplificam os procedimentos de adoção [artigo 81.º, n.º 3, e artigo 192.º, n.º 2, alínea c), do TFUE] ou que tornam menos exigentes os requisitos relativos a maiorias (artigo 312.º, n.º 2, e artigo 333.º, n.º 1, do TFUE).
  • Decisões que acrescentam substância ao direito decorrente dos Tratados. Estas decisões têm efeito vinculativo para toda a UE ou para as instituições, órgãos, organismos e agências da UE caso se trate de uma decisão relativa à sua composição, não tendo nenhum efeito externo no indivíduo.
  • Decisões que visam a adoção de direito intrainstitucional e interinstitucional. Estas decisões são vinculativas para as instituições, órgãos, organismos e agências da UE afetados e envolvidos. São exemplo destas decisões os regulamentos internos das instituições (direito intrainstitucional), bem como os acordos interinstitucionais celebrados entre os organismos da UE (direito interinstitucional).
  • Decisões no contexto do controlo organizacional. Estas decisões (p. ex., nomeações, remuneração) vinculam o detentor do cargo ou os membros dos organismos pertinentes.
  • Decisões para elaboração de políticas. Estas decisões concorrem com os regulamentos e as diretivas, mas não pretendem ter um efeito externo e juridicamente vinculativo no indivíduo. Em princípio, o seu efeito vinculativo está confinado às instituições envolvidas na sua emissão, em especial quando estão relacionadas com orientações ou diretrizes para políticas futuras. Apenas em casos excecionais é que têm efeitos jurídicos de natureza geral e abstrata ou consequências financeiras.
  • Decisões no âmbito da política externa e de segurança comum. Estas decisões são juridicamente vinculativas para toda a UE. O efeito vinculativo em relação aos Estados-Membros é limitado por disposições específicas (p. ex., artigo 28.º, n.os 2 e 5, e artigo 31.º, n.º 1, do TUE). Não estão sujeitas à supremacia da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

Recomendações e pareceres

Por fim, existe uma última categoria de atos, expressamente prevista nos Tratados da União, que é a categoria das recomendações e pareceres. Estes permitem às instituições da UE pronunciarem-se de forma não vinculativa, isto é, sem que tal sirva para fundamentar qualquer obrigação jurídica para os destinatários relativamente aos Estados-Membros e, em certos casos, aos cidadãos da UE.

As recomendações sugerem aos destinatários um dado comportamento, sem com isso lhes impor uma obrigação legal. Assim, quando houver motivo para recear que a adoção ou alteração de uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa de um Estado-Membro possa falsear as condições de concorrência no mercado interno, a Comissão recomendará ao Estado interessado as medidas adequadas, tendentes a evitar a distorção em causa (cf. artigo 117.º, n.º 1, segundo período, do TFUE).

Em contrapartida, os pareceres são emitidos pelas instituições da União sempre que se revele oportuno apreciar uma situação atual ou acontecimentos específicos na União ou nos Estados-Membros. Em certos casos, os pareceres podem criar condições prévias à posterior formulação de atos jurídicos vinculativos ou constituem um requisito necessário para a propositura de uma ação no TJUE (cf. artigos 258.º e 259.º do TFUE).

Essencialmente, a importância das recomendações e dos pareceres é sobretudo política e moral. Os autores dos tratados, ao preverem estes atos jurídicos, fizeram-no na expectativa de que os destinatários, tendo em conta o prestígio das instituições da UE e o facto de estas disporem de uma visão geral e de conhecimentos que ultrapassam o âmbito nacional, os acatariam voluntariamente e infeririam da apreciação de uma situação concreta por parte da UE as consequências necessárias. Aliás, as recomendações e os pareceres podem ter efeitos jurídicos indiretos quando constituem condições para atos jurídicos posteriores de caráter obrigatório ou quando a instituição da União que os formula se compromete a atuar de certa forma, podendo assim, em certas circunstâncias, criar legítimas expectativas.

Resoluções, declarações e programas de ação

Além dos atos jurídicos expressamente previstos nos tratados, as instituições da UE dispõem de uma vasta panóplia de instrumentos de ação para modelar os contornos da ordem jurídica da UE. Na prática, os mais importantes são as resoluções, as declarações e os programas de ação.

Resoluções. As resoluções podem ser emitidas pelo Parlamento, pelo Conselho Europeu e pelo Conselho. Consubstanciam posições e intenções comuns em relação ao processo geral de integração e a ações específicas tanto no plano da UE como fora dela. As resoluções em matéria de assuntos internos tratam das grandes questões políticas da União, da política regional, da política energética e da união económica e monetária, sobretudo da criação do Sistema Monetário Europeu. A importância política destas resoluções decorre essencialmente da orientação que as mesmas imprimem aos trabalhos futuros do Conselho. Enquanto manifestações da vontade política comum, contribuem decisivamente para a constituição de plataformas de entendimento ao nível do Conselho. Asseguram ainda um mínimo de concordância ao nível da tomada de decisões entre as autoridades na UE e nos Estados-Membros. A avaliação do significado jurídico deste instrumento deve ter presentes estes elementos, isto é, a resolução deve manter uma certa flexibilidade, sem estar demasiado vinculada a requisitos e obrigações jurídicas.

Declarações. As declarações podem ser de dois tipos. Quando dizem respeito ao desenvolvimento da União, como é o caso das declarações relativas à UE, à democracia ou aos direitos fundamentais, são mais ou menos equivalentes às resoluções, e servem essencialmente para atingir um vasto público ou um grupo específico de destinatários. Há também as declarações emanadas do processo decisório do Conselho, através das quais os membros do Conselho exprimem pareceres conjuntos ou individuais sobre a interpretação das decisões que o Conselho aprova. Estas declarações interpretativas, muito frequentes no Conselho, são essenciais na busca de compromissos. O alcance jurídico destas declarações deve ser avaliado à luz dos princípios fundamentais da interpretação, por força dos quais a interpretação de uma norma depende em grande parte das intenções que presidiram à sua elaboração. Todavia, este princípio só é válido se às declarações em questão for dada a publicidade devida, já que o direito derivado da UE, que reconhece direitos diretos ao cidadão, não pode ver-se preterido por disposições acessórias que não tenham sido tornadas públicas.

Programas de ação. Estes programas são elaborados pelo Conselho e pela Comissão, por iniciativa própria ou a pedido do Conselho Europeu, e têm por objetivo a realização de programas legislativos e a consecução dos objetivos gerais que os Tratados consagram. Sempre que os programas estejam expressamente previstos nos Tratados, as instituições da UE devem respeitar estas disposições na elaboração dos mesmos. Há também outros programas que, na prática, funcionam como simples orientações gerais desprovidas de qualquer efeito juridicamente vinculativo. Consubstanciam, no entanto, uma vontade política das instituições da UE de se conformarem às disposições que deles emanam.

Os Livros Brancos e os Livros Verdes também têm uma importância considerável na União. Os Livros Brancos são publicados pela Comissão e contêm propostas concretas de medidas num domínio político específico ao nível da UE. Se um Livro Branco for favoravelmente acolhido pelo Conselho, pode servir de base a um programa de ação na União. Constituem exemplos disso os Livros Brancos sobre o futuro da Europa (2017) ou sobre a inteligência artificial (2020). Os Livros Verdes pretendem estimular a discussão sobre determinados tópicos a nível europeu e constituem a base para consultas públicas e debates sobre os tópicos neles abordados. Podem conduzir a desenvolvimentos legislativos que serão então delineados em Livros Brancos.

Publicação e comunicação

Os atos legislativos da UE e os atos jurídicos vinculativos são publicados no Jornal Oficial da União Europeia, Série L (L = Legislação). Entram em vigor na data neles prevista ou no vigésimo dia subsequente ao da sua publicação.

Os atos jurídicos não vinculativos não estão sujeitos a nenhuma obrigatoriedade de publicação ou comunicação, mas habitualmente são também publicados no Jornal Oficial da União Europeia, Série C [«comunicações e notificações» (C = Comunicação)]. Todos os documentos oficiais das instituições, organismos e agências da UE são igualmente publicados na série C.

Os atos legislativos que designam destinatários são comunicados àqueles a quem se destinam e entram em vigor através desta comunicação.

O processo legislativo na União Europeia

Ao contrário dos processos de elaboração das decisões nacionais que se desenvolvem no parlamento, o processo de elaboração de decisões na UE foi durante muito tempo e de forma decisiva marcado pelos representantes dos governos dos Estados-Membros, reunidos no Conselho, e isto porque a UE não emana de um «povo europeu», devendo antes a sua existência e configuração aos Estados-Membros. Estes renunciaram a parte da sua soberania sem contrapartidas em favor da UE, mas ousaram dar este passo apenas por disporem de uma posição forte no processo de decisão da UE. Contudo, com o desenvolvimento e o aprofundamento da ordem jurídica da UE, a repartição de competências no processo de tomada de decisões, que no princípio favorecia de forma excessivamente unilateral os interesses dos Estados-Membros, evoluiu de uma forma constante para um sistema de decisão mais equilibrado, nomeadamente através do reforço da posição do Parlamento Europeu. Foi assim que se passou da consulta inicial do Parlamento Europeu para uma colaboração entre este e o Conselho, e posteriormente para a codecisão, que vem agora completar a participação do Parlamento no processo legislativo da UE.

Este gráfico ilustra o processo de adoção de atos legislativos na União Europeia.

O processo de adoção de atos legislativos ocorre da seguinte forma. A Comissão Europeia apresenta propostas ao Parlamento Europeu (primeira leitura) para que este adote uma posição e ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Europeu para que estes emitam os seus pareceres. As propostas são seguidamente enviadas ao Conselho para uma primeira leitura. Se o Parlamento não propuser alterações ou se o Conselho aprovar todas as alterações, e após negociações do trílogo entre o Parlamento, o Conselho e a Comissão, o ato legislativo pode ser adotado. Caso contrário, o Conselho apresenta a sua posição ao Parlamento e a proposta é devolvida ao Parlamento para segunda leitura. Se a posição do Conselho for aprovada, o ato é adotado com a formulação correspondente à posição do Conselho. Se a posição do Conselho for rejeitada por uma maioria dos deputados ao Parlamento Europeu, o processo legislativo fica concluído e o ato não é adotado. Se a maioria dos deputados ao Parlamento Europeu propuser alterações, a Comissão aprova ou rejeita as alterações do Parlamento. A proposta é então transmitida ao Conselho para segunda leitura. Se o Conselho aprovar as alterações por maioria qualificada ou por unanimidade, o ato é adotado. Se o Conselho rejeitar as alterações, a proposta é submetida ao Comité de Conciliação (composto por representantes do Parlamento e do Conselho). Se for alcançado um acordo, o resultado é confirmado numa terceira leitura pelo Parlamento e pelo Conselho. Se o Comité de Conciliação não chegar a acordo, o ato é considerado rejeitado e o processo legislativo fica concluído.

O processo legislativo na UE foi reorganizado e reestruturado pelo Tratado de Lisboa. Importa distinguir entre:

  1. O processo legislativo ordinário para adoção de atos legislativos (artigo 289.º, n.º 1, do TFUE), que corresponde essencialmente ao anterior processo de codecisão e, regra geral, é aplicável à criação do direito ao nível da UE, bem como o processo legislativo especial (artigo 289.º, n.º 2, do TFUE), em que os atos legislativos são adotados pelo Parlamento Europeu com a participação do Conselho ou por este último com a participação do Parlamento;
  2. Alguns atos jurídicos estão sujeitos a um processo de aprovação no Parlamento antes de produzirem efeitos;
  3. Os atos não legislativos são adotados através de um processo simplificado;
  4. Há processos especiais para a adoção de atos delegados e atos de execução.

Tramitação do processo

Fase de elaboração de uma proposta

Por princípio, cabe à Comissão desencadear o processo, com a elaboração de uma proposta (direito de iniciativa) sobre a medida da UE a tomar. Esta iniciativa é tomada pelo serviço da Comissão que se ocupa do domínio económico em causa, sendo frequente nesta fase o recurso a especialistas nacionais. A consulta destes especialistas nacionais decorre em parte no contexto de comités criados para o efeito ou sob a forma de um processo de consulta ad hoc de peritos por parte dos serviços da Comissão. Importa, no entanto, ter presente que a Comissão não está vinculada aos pareceres dos peritos nacionais na fase de elaboração da proposta. O projeto elaborado pela Comissão, que define ao pormenor o conteúdo e a forma das medidas a adotar, é então discutido pelos membros da Comissão e finalmente aprovado por maioria simples. Simultaneamente, é transmitido sob a forma de «proposta da Comissão» ao Parlamento e ao Conselho, bem como ao Comité Económico e Social Europeu e/ou ao Comité das Regiões, caso devam ser consultados, acompanhado de uma pormenorizada exposição de motivos.

Primeira leitura no Parlamento e no Conselho

O Presidente do Parlamento Europeu remete a proposta para a comissão parlamentar competente, cujas conclusões são depois discutidas na sessão plenária do Parlamento, após o que é emitido um parecer que aprova, recusa ou modifica a proposta. O Parlamento Europeu transmite seguidamente a sua posição ao Conselho.

O Conselho pode então proceder do seguinte modo na primeira leitura:

  • Aprova a posição do Parlamento Europeu, sendo o ato jurídico em questão aprovado com a redação correspondente à posição do Parlamento e ficando o processo legislativo assim concluído. Na verdade, tornou-se prática comum o processo legislativo ficar concluído já em primeira leitura. Para o conseguir, utiliza-se o «trílogo informal», em que representantes do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão se reúnem e tentam chegar a um compromisso mutuamente aceitável nesta fase inicial do processo legislativo. Os trílogos são bem sucedidos, na maioria dos casos, pelo que apenas as propostas legislativas mais controversas têm de passar pelo processo legislativo ordinário completo.
  • Não aprova a posição do Parlamento Europeu, estabelecendo assim a sua posição em primeira leitura, que depois comunicará ao Parlamento Europeu.

O Conselho informa plenamente o Parlamento das razões que o conduziram a adotar a sua posição em primeira leitura. A Comissão informa plenamente o Parlamento da sua posição.

Segunda leitura no Parlamento e no Conselho

O Parlamento Europeu tem, na segunda leitura, as seguintes possibilidades para agir, no prazo de três meses após receber a posição do Conselho:

  1. Pode aprovar a posição do Conselho ou não se pronunciar sobre ela. Nesse caso, considera-se que o ato em questão foi adotado com a formulação correspondente à posição do Conselho.
  2. Rejeitar, por maioria dos deputados que o compõem, a posição do Conselho. Nesse caso, considera-se que o ato proposto não foi adotado e o processo legislativo fica assim concluído.
  3. Fazer, por maioria dos seus deputados, alterações à posição do Conselho. Nesse caso, o texto assim alterado é transmitido ao Conselho e à Comissão, que emite parecer sobre essas alterações.

O Conselho delibera sobre a posição modificada e tem, no prazo de três meses após a receção das alterações do Parlamento Europeu, duas possibilidades para agir:

  1. Pode aprovar todas as alterações do Parlamento — o ato em questão é então considerado adotado. Nesse caso, o ato jurídico em questão é adotado, para o que basta uma maioria qualificada, se a Comissão concordar com as alterações apresentadas pelo Parlamento. Se isso não se verificar, o Conselho só poderá aprovar as alterações do Parlamento por unanimidade.
  2. Pode não aprovar todas as alterações apresentadas pelo Parlamento Europeu, ou pode não ser obtida a necessária maioria — neste caso será iniciado o processo de conciliação.
Processo de conciliação

O processo de conciliação é iniciado pelo Presidente do Conselho, de comum acordo com o Presidente do Parlamento Europeu. No centro do processo está o Comité de Conciliação, atualmente composto por 27 representantes do Conselho e por igual número de deputados do Parlamento. O Comité de Conciliação tem por missão chegar a acordo sobre um projeto comum, por maioria qualificada, no prazo de seis semanas a contar da sua convocação, com base nas posições do Parlamento e do Conselho. Para tal é necessário chegar uma solução de compromisso que só pode ser alcançada se «todos os aspetos de discórdia forem analisados». Contudo, a questão passa sempre e muito simplesmente por se chegar a um compromisso entre as duas posições divergentes do Parlamento e do Conselho. Para o efeito, podem ser utilizados novos métodos que facilitem o processo de compromisso, desde que estes se enquadrem no resultado global da segunda leitura. Contudo, não é possível utilizar alterações que não tenham conseguido alcançar as maiorias necessárias em segunda leitura.

A Comissão participa nos trabalhos do Comité de Conciliação e toma todas as iniciativas necessárias para promover uma aproximação das posições do Parlamento e do Conselho.

Se, no prazo de seis semanas após ter sido convocado, o Comité de Conciliação não aprovar um projeto comum, considera-se que o ato proposto não foi adotado.

Terceira leitura no Parlamento e no Conselho

Caso o Comité de Conciliação aprove um projeto comum no prazo de seis semanas, o Parlamento e o Conselho dispõem de um prazo de seis semanas, a partir desta aprovação, para aprovar o ato jurídico em questão de acordo com este projeto, sendo necessária a maioria dos votos expressos no Parlamento Europeu e uma maioria qualificada no Conselho. Caso contrário, o ato jurídico proposto é considerado não adotado e o processo legislativo fica assim concluído.

Publicação

O texto final (nas atuais 24 línguas oficiais da UE: alemão, búlgaro, checo, croata, dinamarquês, eslovaco, esloveno, espanhol, estónio, finlandês, francês, grego, húngaro, inglês, irlandês, italiano, letão, lituano, maltês, neerlandês, polaco, português, romeno e sueco) é assinado pelos presidentes do Parlamento e do Conselho e, por fim, publicado no Jornal Oficial da União Europeia.

O processo de codecisão representa simultaneamente um desafio e uma oportunidade para o Parlamento. Na verdade, o êxito deste processo requer um acordo prévio no Comité de Conciliação, mas simultaneamente transforma de uma forma fundamental a relação entre o Parlamento e o Conselho. Há agora igualdade entre ambas as instituições no processo legislativo. Depende do Parlamento e do Conselho demonstrarem a sua capacidade de compromisso político e, se possível, chegarem a acordo sobre um projeto comum no Comité de Conciliação.

O processo legislativo especial

O processo legislativo especial caracteriza-se habitualmente por uma tomada de decisão por parte do Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da Comissão e após consulta ao Parlamento Europeu (p. ex., artigo 308.º do TFUE: Estatutos do Banco Europeu de Investimento), ou pela adoção de um ato jurídico por parte do Parlamento após aprovação do Conselho (p. ex., artigo 226.º, terceiro parágrafo, do TFUE: exercício do direito de inquérito através de uma comissão parlamentar de inquérito; artigo 228.º, n.º 4, do TFUE: condições gerais de exercício das funções do Provedor de Justiça).

Há outras formas de legislar que diferem destes casos habituais, mas que, não obstante, não deixam de se enquadrar no processo legislativo especial.

  • É o caso do processo de aprovação do orçamento (artigo 314.º do TFUE): o processo tem regras pormenorizadas e corresponde em grande medida ao processo legislativo ordinário.
  • O Conselho toma uma decisão por maioria sobre uma proposta da Comissão, após consulta ao Parlamento (ou outras instituições da UE e órgãos consultivos); este era originalmente o processo de consulta, que começou por ser o processo legislativo normal ao nível da UE, mas que agora é utilizado apenas em casos pontuais enquanto processo legislativo especial (p. ex., artigo 140.º, n.º 2, do TFUE: derrogações no contexto da União Económica e Monetária; artigo 128.º, n.º 2, do TFUE: emissão de moedas).
  • O Conselho toma uma decisão sem a participação do Parlamento. Contudo, trata-se de uma rara exceção que, além do domínio da política externa e de segurança comum, onde o Parlamento Europeu é informado das decisões do Conselho (artigo 36.º do TUE), só acontece em casos pontuais (p. ex., artigo 31.º do TFUE: fixação de uma pauta aduaneira comum; artigo 301.º, n.º 2, do TFUE: composição do Comité Económico e Social).

O processo legislativo especial previsto para certos domínios políticos pode ser substituído pelo processo legislativo ordinário através das denominadas «cláusulas-ponte», assim como a unanimidade no Conselho pode ser substituída por uma maioria qualificada. Importa distinguir entre dois tipos de cláusulas-ponte: 1) a cláusula-ponte geral aplicável a todos os domínios políticos, sendo que a sua utilização deve acontecer através de uma decisão unânime do Conselho Europeu; e 2) cláusulas-ponte específicas aplicáveis a determinados domínios políticos (por exemplo, quadro financeiro plurianual: artigo 312.º do TFUE; cooperação judiciária em matéria de direito da família: artigo 81.º, n.º 3 do TFUE; cooperação reforçada: artigo 333.º do TFUE; o domínio social: artigo 153.º do TFUE; o ambiente: artigo 192.º do TFUE). Estas cláusulas são diferentes das cláusulas-ponte gerais, já que os parlamentos nacionais não têm, em regra, direito de veto e a decisão também pode ser tomada pelo Conselho e não necessariamente pelo Conselho Europeu.

Processo de aprovação

Outra forma igualmente importante de participação do Parlamento Europeu no processo legislativo no seio da UE é o processo de aprovação, através do qual um instrumento jurídico só pode ser adotado com aprovação prévia do Parlamento. Todavia, este processo não permite ao Parlamento influenciar diretamente a natureza das disposições jurídicas. Por exemplo, não pode propor alterações nem impor a sua aceitação durante o processo de aprovação, limitando-se a aprovar ou rejeitar o instrumento jurídico proposto. Este processo está previsto no âmbito da celebração de acordos internacionais [artigo 218.º, n.º 6, alínea a), do TFUE], da cooperação reforçada (artigo 329.º, n.º 1, do TFUE) ou da cláusula de flexibilidade (artigo 352.º, n.º 1, do TFUE). O processo de aprovação pode fazer parte tanto de um processo legislativo especial de adoção de atos legislativos como de um processo legislativo simplificado de adoção de atos não legislativos vinculativos.

Processo de adoção de atos não legislativos

Os atos não legislativos são adotados através de um processo simplificado em que uma instituição ou outro órgão da UE adota um ato jurídico no âmbito das suas competências. A autoridade para o fazer advém da base de competências pertinente prevista nos Tratados da UE.

Este processo é inicialmente aplicável a (meros) atos legislativos vinculativos adotados por uma instituição da UE no âmbito das suas competências (p. ex., decisão da Comissão em matéria de auxílios, artigo 108.º, n.º 2, do TFUE).

O processo simplificado também é utilizado para os atos jurídicos não vinculativos, designadamente as recomendações e os pareceres emitidos pelas instituições da UE e pelos órgãos consultivos.

Processo de adoção de atos delegados e atos de execução

Há muito que é prática comum o Parlamento e o Conselho delegarem poderes legislativos e de execução na Comissão. Os poderes delegados têm sido exercidos através da criação de comités de comitologia, em que a influência do Parlamento, do Conselho, da Comissão e dos Estados-Membros varia. Contudo, não houve uma separação clara entre a delegação de poderes para criação de legislação (poderes legislativos) e a atribuição de poderes de execução (poderes de execução). O Tratado de Lisboa fez a distinção que há muito se exigia no direito primário entre o exercício de competências legislativas e competências executivas (artigos 290.º e 291.º do TFUE).

A adoção de atos delegados cabe à Comissão com base numa autorização especial conferida por um ato legislativo adotado pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu (artigo 290.º do TFUE). O conteúdo da delegação só pode consistir na alteração de determinados elementos não essenciais de um ato legislativo, sendo que os elementos essenciais de determinado domínio não podem estar sujeitos a uma delegação de poder. Isto significa que as disposições fundamentais são adotadas pelo próprio órgão legislativo e não podem ser delegadas no órgão de execução, fazendo jus aos princípios da democracia e da separação de poderes. Caso estejam envolvidas decisões politicamente importantes com consequências abrangentes, cabe ao Parlamento e ao Conselho assumir a sua responsabilidade primária de legislar. Tal aplica-se especialmente a objetivos políticos para ação legislativa, à seleção dos meios para alcançar esses objetivos e a possíveis implicações das disposições para pessoas singulares e coletivas. Além disso, os atos delegados destinam-se apenas a alterar ou complementar um ato legislativo, por forma a não comprometer a finalidade do mesmo. Por último, as disposições a alterar ou acrescentadas através do ato delegado devem estar claramente especificadas no ato legislativo. Assim, pode considerar-se a adoção de atos delegados para efeitos de adaptações legislativas a progressos futuros, tais como alterações no estado da arte, de ajustamentos a alterações previsíveis de outra legislação ou para garantir a aplicação das disposições de um ato legislativo, mesmo em caso de circunstâncias especiais ou de novos conhecimentos. A delegação de poderes pode ter um período de vigência ou, se for válida por tempo ilimitado, pode existir uma disposição que preveja o direito de a revogar. Além da possibilidade de revogar a delegação de poderes, o Parlamento e o Conselho podem prever o direito de formular objeções à entrada em vigor dos atos delegados da Comissão. Caso o Parlamento e o Conselho tenham delegado poderes de execução na Comissão, esta última pode adotar atos de execução. Não existe nenhuma disposição no direito primário que autorize a inclusão de outras instituições. Contudo, a Comissão está autorizada a consultar em especial peritos nacionais, o que, na prática, é o que acontece geralmente.

A adoção de atos de execução pela Comissão (artigo 291.º do TFUE) foi concebida como exceção ao princípio da competência de execução administrativa do direito da UE que cabe aos Estados-Membros (artigo 197.º do TFUE) e, por conseguinte, encontra-se sob o controlo dos Estados-Membros. Trata-se de um afastamento significativo da posição jurídica anterior, em que o processo de comitologia dava ao Parlamento e ao Conselho direitos de codeterminação na adoção de medidas de execução. Esta alteração justifica-se pelo facto de a separação clara entre atos delegados e atos de execução implicar também uma reorganização correspondente dos direitos de controlo e participação. Ao passo que o Parlamento e o Conselho têm acesso aos atos delegados, na qualidade de legisladores da UE, no caso dos atos de execução, esse acesso é dado aos Estados-Membros, de acordo com a sua competência original de execução administrativa do direito da UE. Em consonância com o seu mandato legislativo, o legislador da UE (ou seja, o Parlamento e o Conselho) definiu regras e princípios gerais relativos ao controlo do exercício das competências de execução no Regulamento (UE) n.º 182/2011 («Regulamento Comitologia»). Esse regulamento reduziu para dois o número de procedimentos de comitologia: o procedimento consultivo e o procedimento de exame. Foram criadas disposições específicas relativas à escolha do procedimento.

No procedimento consultivo, um comité consultivo emite pareceres aprovados por maioria simples, que são exarados em atas. A Comissão deve ter devidamente em conta esses pareceres, mas não é obrigada a fazê-lo.

No procedimento de exame, o comité de comitologia, que é composto por representantes dos Estados-Membros, vota o projeto de medidas de execução apresentado pela Comissão, por maioria qualificada. Em caso de aprovação, a Comissão tem de adotar as medidas tal como foram apresentadas. Caso não seja tomada uma decisão por falta de quórum, a Comissão pode em princípio adotar o seu projeto. Em caso de parecer negativo do comité ou falta de aprovação, a Comissão pode apresentar um novo projeto ao comité de exame ou enviar o projeto original ao comité de recurso.

O comité de recurso é a segunda instância no procedimento de exame. Submeter a questão ao comité de recurso serve para a Comissão e os representantes dos Estados-Membros chegarem a um compromisso quando não foi possível alcançar um resultado no comité de exame. Caso o comité de recurso dê parecer favorável, a Comissão adota o ato de execução. Também pode fazê-lo se o comité de recurso não emitir parecer.

O sistema de proteção jurídica da União Europeia

Uma União que se considera como comunidade de direitos deve colocar à disposição dos sujeitos do direito um sistema de proteção jurídica integral e eficaz. O sistema de proteção jurídica da UE cumpre este requisito, pois reconhece o direito do indivíduo a usufruir de uma proteção legal eficaz dos direitos decorrentes da ordem jurídica da UE. Esta proteção, que está consagrada no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais, insere-se nos direitos fundamentais de cariz jurídico decorrentes das tradições constitucionais comuns dos Estados-Membros e da CEDH (artigos 6.º e 13.º), sendo garantida pela jurisdição da UE (o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral) (artigo 19.º, n.º 1, do TUE). Neste âmbito, estão à disposição uma série de procedimentos que iremos a seguir apresentar sucintamente.

Ação por incumprimento dos tratados (artigo 258.º do TFUE)

Este processo aplica-se quando se constata que um Estado-Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito da UE. Este processo é exclusivamente executado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Tendo em conta a gravidade da acusação, antes de se recorrer ao Tribunal de Justiça é executado um procedimento preliminar nos termos do qual é dada oportunidade ao Estado-Membro em causa para apresentar as suas observações sobre as acusações. Se o litígio não ficar resolvido nesta fase, a Comissão (artigo 258.º do TFUE) ou um Estado-Membro (artigo 259.º do TFUE) podem recorrer ao Tribunal de Justiça por incumprimento do Tratado. Na prática, a iniciativa parte quase sempre da Comissão. O Tribunal de Justiça instrui o processo e determina se existe ou não incumprimento. No caso de declarar verificado o incumprimento, o Estado-Membro em causa deve tomar as medidas necessárias para se conformar sem demora com o direito da UE. Se o referido Estado-Membro não tomar as medidas necessárias à execução do acórdão, a Comissão dispõe da possibilidade de um segundo acórdão do Tribunal de Justiça que ordena esse Estado a pagar uma quantia fixa e/ou sanção pecuniária compulsória (artigo 260.º do TFUE). O desrespeito continuado de um acórdão do Tribunal de Justiça por violação de um tratado tem portanto consequências financeiras significativas para um Estado-Membro.

Recurso de anulação (artigo 263.º do TFUE)

O recurso de anulação (também designado por ação de nulidade ou ação de resolução) oferece a possibilidade de um controlo judicial objetivo das ações das instituições da UE (controlo abstrato de normas) e permite ao cidadão, embora com determinadas restrições, o acesso à jurisdição da UE (garantia da proteção dos direitos individuais).

Entre as ações que podem ser contestadas contam-se todas as medidas das instituições da União que produzam efeitos jurídicos vinculativos que interfiram com os interesses do queixoso através de uma intrusão no seu estatuto jurídico. Podem interpor recurso os Estados-Membros, o Parlamento, o Conselho, a Comissão, o Tribunal de Contas, o BCE e o Comité das Regiões, que se queiram opor a uma violação dos direitos que lhes foram conferidos.

Em contrapartida, os cidadãos e as empresas da União só podem interpor recurso de anulação contra decisões de que sejam destinatários ou contra decisões que, embora dirigidas a terceiros, lhes digam direta e individualmente respeito. Nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma pessoa só pode ser individual e diretamente destinatária de uma decisão se a mesma a individualizar de uma forma que a distinga de todos os outros operadores económicos. Com este critério do «efeito direto» pretende garantir-se que só sejam submetidos ao Tribunal de Justiça ou ao Tribunal Geral os casos em que esteja estabelecido com segurança o tipo de interferência no estatuto jurídico do demandante e a respetiva realização. O critério da «individualidade» deverá também permitir excluir as chamadas «ações populares».

O Tratado de Lisboa introduziu ainda uma categoria adicional de atos contra os quais também podem ser interpostos recursos de anulação diretamente por pessoas singulares e coletivas. Atualmente, as pessoas singulares e coletivas também têm legitimidade para dar início a procedimentos contra um «ato regulamentar», desde que este «diga diretamente respeito à pessoa e não implique medidas de execução». Esta nova categoria colmatou uma «lacuna na proteção jurídica» que já tinha sido identificada pelo Tribunal de Justiça no processo Jégo-Quéré, uma vez que, anteriormente, não havia sido garantida proteção judicial em casos onde um operador económico, embora fosse diretamente afetado por um ato legislativo da UE, não tinha possibilidade de rever a legalidade desse ato utilizando as vias de recurso disponíveis para o efeito: os recursos através de uma ação de anulação (artigo 263.º do TFUE) eram mal sucedidos devido ao facto de os atos não lhes dizerem direta e individualmente respeito; o processo de decisão prejudicial (artigo 267.º do TFUE) não podia ser utilizado devido à ausência de medidas de execução nacionais (exceto em determinados processos penais relativos ao incumprimento de obrigações ao abrigo do direito da UE por parte do operador económico, que contudo deviam ser cumpridas, porque não se podia esperar que o operador económico conseguisse um exame da legalidade através de conduta ilegal); por fim, as ações de reparação/ /indemnização não podiam resultar numa solução que defendesse os interesses do cidadão da UE, uma vez que também não podiam ser utilizadas para suprimir atos legislativos ilegais da ordem jurídica da UE.

Devido ao facto de o artigo 263.º, n.º 4, do TFUE prescindir da necessidade de o ato «dizer individualmente respeito à pessoa» quando se interpõe recurso contra atos regulamentares e requerer apenas que os atos lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução, parte desta lacuna foi colmatada.

Contudo, o significado de «atos regulamentares» é problemático. Quando interpretado de forma restrita, o termo é entendido como fazendo apenas referência a atos de aplicação geral que não sejam atos não legislativos, ao passo que, quando interpretado de forma mais lata, é entendido como abrangendo todo os atos de aplicação geral, incluindo atos legislativos. No acórdão do processo Inuit Tapiriit Kanatami, o Tribunal Geral analisou pormenorizadamente as duas abordagens e, com base numa interpretação gramatical, histórica e teleológica, concluiu que «atos regulamentares» podem ser entendidos apenas como atos de aplicação geral que não sejam atos legislativos. Além dos atos delegados (cf. artigo 290.º do TFUE) e dos atos de execução (cf. artigo 291.º do TFUE), estes também englobam diretivas, desde que sejam diretamente aplicáveis de acordo com a jurisprudência, e decisões de natureza abstrata e geral, desde que não tenham sido adotadas através do processo legislativo. Por conseguinte, o Tribunal Geral adotou claramente uma interpretação restrita do conceito de «regulamentar». O Tribunal de Justiça confirmou esta conclusão no seu acórdão do recurso em 2013. Trata-se de uma decisão lamentável da perspetiva de garantir uma proteção jurídica efetiva, uma vez que a lacuna existente na proteção jurídica é colmatada apenas parcialmente quando se utiliza a abordagem restrita.

Pescadores vestidos com macacões profissionais manuseiam uma rede de pesca num arrastão, no meio de uma frota de embarcações num porto de pesca.

No processo Jégo-Quéré, uma sociedade de armação de pesca pediu a anulação de partes de um regulamento sobre a proteção das unidades juvenis de pescada. Mais especificamente, as partes relativas à proibição de redes de pesca com malhas de 8 cm, tais como as utilizadas pela Jégo-Quéré. Para garantir uma proteção judicial efetiva, o Tribunal de Primeira Instância interpretou de forma lata a noção de pessoa a quem um ato diz individualmente respeito e considerou a ação admissível. O Tribunal de Justiça não concordou. Considerou que o facto de a empresa ser diretamente afetada por um regulamento de aplicação geral não pode ser equiparado a um ato que lhe diga individualmente respeito.

Os atos criados por órgãos ou outros organismos da UE, particularmente os que são criados pelas várias agências, passam também a poder ser fiscalizados quanto à sua legalidade (artigo 263.º, quinto parágrafo, do TFUE). Desta forma, uma lacuna na proteção jurídica que anteriormente só fora corrigida pela jurisprudência, encontra-se agora colmatada. Além disso, o direito primário também tem em conta o facto de que foram atribuídas a alguns destes organismos competências que lhes permite elaborarem atos que produzem efeitos jurídicos em relação a terceiros, pelo que, no interesse de ter um sistema de proteção jurídica livre de lacunas, importa que o recurso a ações jurídicas esteja disponível também em relação a estes atos.

Se o recurso tiver fundamento, o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Geral podem anular, com efeitos retroativos, o ato em causa. Em casos devidamente fundamentados, o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Geral só podem limitar o recurso de anulação a partir da data da sentença. A fim de salvaguardar os direitos e os interesses das partes demandantes não se aplica a estas a limitação de efeitos de uma sentença de anulação.

Ação por omissão (artigo 265.º do TFUE)

Este tipo de ação completa a proteção jurídica face ao Parlamento, ao Conselho Europeu, ao Conselho, à Comissão e ao BCE. Porém, antes de interpor a ação, há um procedimento prévio nos termos do qual o demandante deve convidar a instituição da União em causa a agir. Uma ação deste tipo, quando interposta pelas instituições, tem como objetivo requerer que se verifique se a instituição em questão se absteve, violando o Tratado, de adotar um ato jurídico. Quando o demandante é um cidadão da UE ou uma pessoa coletiva, o objeto da ação por omissão está além disso limitado pelo facto de ser necessário constatar que o ato jurídico notificado ao demandante, ou seja, uma decisão visando o demandante de uma instituição da UE e que viola o Tratado, não foi adotado. Com a sentença final é apenas constatada a ilegalidade da omissão, já que o Tribunal de Justiça/Tribunal Geral não são competentes para, nos seus acórdãos, ordenarem a adoção obrigatória das medidas necessárias. A parte vencida fica apenas obrigada a adotar as medidas contidas no acórdão do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Geral (artigo 266.º do TFUE).

Ação de reparação/indemnização (artigo 268.º e artigo 340.º, segundo parágrafo, do TFUE)

Esta ação possibilita aos cidadãos da União e às pessoas coletivas, bem como aos Estados-Membros que tenham sofrido danos em virtude de um erro cometido por um dos agentes da UE, recorrerem ao Tribunal de Justiça para solicitar uma indemnização por estes danos. Os pressupostos da responsabilidade da UE são regulados pelos tratados de uma forma incompleta, sendo definidos em geral de acordo com os princípios gerais do direito comuns às ordens jurídicas dos Estados-Membros. O Tribunal de Justiça desenvolveu estes princípios na sua jurisprudência, tendo fixado as seguintes condições prévias para que possa haver reparação de danos:

  1. Comportamento ilícito por parte de uma instituição da União ou de um agente da UE no exercício das suas funções. Estamos perante um comportamento ilícito quando há uma violação qualificada de uma norma do direito da UE aprovada para conferir direitos ou proteger uma pessoa singular ou coletiva ou um Estado-Membro. Os direitos fundamentais e as liberdades do mercado interno, ou os princípios de proteção da confidencialidade e da proporcionalidade, são os que apresentam principalmente características de normas de proteção, mas também qualquer outra jurisprudência diretamente aplicável que confira direitos pessoais ao cidadão da União. A violação é suficientemente qualificada quando a instituição da União interveniente ultrapassou as suas competências de uma forma flagrante e considerável. O Tribunal tem geralmente em conta o número limitado de pessoas afetadas pelo ato ilícito em questão e o nível do dano alegado, que tem de exceder o risco comercial que pode ser esperado no setor económico em causa.
  2. Existência de um dano.
  3. Nexo causal entre o ato da instituição da União e o alegado dano.
  4. Não é necessário provar a culpa da instituição da União.

Recurso dos funcionários da União (artigo 270.º do TFUE)

O Tribunal de Justiça é também competente em matéria de litígios entre a UE e os seus funcionários ou familiares sobrevivos que nele possam ser dirimidos no contexto das condições de trabalho. É o Tribunal Geral que tem jurisdição sobre estas ações.

Processo de recurso (artigo 256.º do TFUE)

As relações entre o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral foram concebidas de forma que todas as decisões do Tribunal Geral sejam passíveis de recurso para o Tribunal de Justiça, limitado às questões de direito. Este recurso apenas pode ter por fundamento a incompetência do Tribunal Geral, irregularidades processuais que prejudiquem os interesses do recorrente ou uma violação do direito da UE pelo Tribunal Geral. Se o recurso for julgado admissível e procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral. Pode julgar definitivamente o litígio, se o mesmo estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo para o Tribunal Geral para novo julgamento. Se assim for, o Tribunal Geral fica vinculado à solução dada às questões de direito pela decisão do Tribunal de Justiça.

Proteção jurídica provisória (artigos 278.º e 279.º do TFUE)

As ações intentadas no Tribunal de Justiça ou no Tribunal Geral, bem como os recursos das decisões do Tribunal Geral para o Tribunal de Justiça, não têm nenhum efeito suspensivo. Nada impede, porém, que o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Geral ordenem a suspensão da execução do ato impugnado (artigo 278.º do TFUE) ou ordenem as necessárias medidas provisórias (artigo 279.º do TFUE).

Na prática seguida pela jurisprudência, o fundamento de um pedido de medidas provisórias é determinado à luz dos seguintes três critérios:

  1. A probabilidade da existência de um direito (fumus boni juris). À instância competente cabe avaliar a suficiência da probabilidade de êxito, a partir de um estudo sumário dos argumentos do recorrente.
  2. A urgência da decisão. A urgência é determinada consoante a decisão solicitada se destina ou não a evitar com urgência ao recorrente danos graves e irreparáveis. Os critérios aplicados são a natureza e a gravidade da infração, assim como o prejuízo concreto e definitivo em relação à propriedade ou a outros bens do recorrente protegidos juridicamente. Considera-se que um prejuízo financeiro é basicamente grave e irreparável sempre que o mesmo não possa ser integralmente reparado, mesmo se o recorrente obtiver ganho de causa.
  3. Equilíbrio dos interesses. Os inconvenientes para o recorrente, se não forem decretadas medidas provisórias, são comparados com o interesse da UE em dar de imediato execução às medidas e com os inconvenientes para terceiros da aplicação de medidas provisórias.

Pedidos de decisão prejudicial (artigo 267.º do TFUE)

O pedido de decisão prejudicial, ou reenvio prejudicial, destina-se a proporcionar aos órgãos jurisdicionais a possibilidade de pedir orientações sobre o direito da UE ao Tribunal de Justiça. Sempre que uma questão visando o esclarecimento de um litígio sobre disposições do direito da UE seja apresentada a um órgão jurisdicional nacional, esse órgão pode suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a questão da validade e/ou da interpretação do ato jurídico adotado pelas instituições da UE à luz dos Tratados da União. A questão assim formulada pelo tribunal nacional é submetida ao Tribunal de Justiça, que responde com um acórdão, e não com um mero parecer, a fim de sublinhar, também pela forma, o caráter vinculativo da sua decisão. Não obstante, o reenvio prejudicial não é um processo de contencioso destinado a resolver um litígio como os outros processos já descritos, e representa apenas um elemento de um processo global que começa e termina perante um tribunal nacional.

O objetivo deste processo é, antes de mais, garantir a interpretação uniforme do direito da UE e, com ela, a unidade da ordem jurídica da UE. Além desta função de preservação da uniformidade do direito da UE, este processo desempenha também um importante papel na proteção dos direitos individuais. A garantia de que é dada aos tribunais nacionais a possibilidade de verificarem a conformidade da legislação nacional com o direito da UE e, em caso de incompatibilidade, que prevalecerá o primado do direito da UE diretamente aplicável, requer que o conteúdo e o alcance das disposições da UE estejam claramente definidos. Regra geral, só um pedido de decisão prejudicial pode garantir esta clareza, pelo que este processo permite também ao cidadão da UE opor-se a ações do seu país contrárias à legislação da UE e conseguir a aplicação desta legislação perante os tribunais nacionais. Esta dupla função da decisão prejudicial compensa de certa forma as reduzidas possibilidades de os particulares recorrerem diretamente para o Tribunal de Justiça e reveste-se de uma importância crucial para a proteção jurídica das pessoas singulares. Todavia, para que dê resultado, em última análise os juízes e os órgãos jurisdicionais nacionais devem estar «dispostos» a submeter a questão ao TJUE.

Objeto do pedido de decisão prejudicial. O Tribunal de Justiça decide, por um lado, sobre a interpretação do direito da UE e, por outro, controla a validade dos atos jurídicos das instituições da UE. As disposições de direito nacional não podem ser objeto de reenvio prejudicial. No âmbito deste processo, o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o direito nacional nem para decidir da respetiva conformidade com o direito da UE. Este aspeto é frequentemente negligenciado nos pedidos de decisão prejudicial dirigidos ao Tribunal de Justiça. Com efeito, inúmeros são os casos em que se interpela o Tribunal de Justiça sobre a conformidade de uma disposição nacional com uma disposição da UE ou sobre a aplicabilidade de uma disposição da UE específica a um processo tramitado num órgão jurisdicional nacional. Embora o Tribunal de Justiça não possa receber tais questões prejudiciais, estas não são pura e simplesmente rejeitadas, sendo antes interpretadas pelo Tribunal de Justiça, já que o tribunal nacional que decide um reenvio o que pretende é conhecer, na sua essência, os critérios de interpretação da legislação pertinente da UE para poder avaliar autonomamente a compatibilidade entre a legislação nacional em questão e a legislação da UE. O Tribunal de Justiça aproveita a ocasião para, a partir da totalidade da documentação fornecida, designadamente a fundamentação do reenvio, identificar as disposições de direito da UE que carecem de interpretação no contexto do litígio em questão.

Capacidade para submeter um pedido de reenvio prejudicial. São competentes para submeter pedidos de reenvios prejudiciais todos os «órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros». O sentido e o alcance do conceito de órgão jurisdicional no direito da UE devem ser definidos não de acordo com a designação, mas com a função e posicionamento de um órgão no sistema de proteção jurídica dos Estado-Membros. Órgãos jurisdicionais são, por isso, todos os órgãos independentes, isto é, não sujeitos a indicações de terceiros, a quem compete resolver os litígios num Estado de direito e cujas decisões produzem efeitos jurídicos. Em consequência, os tribunais constitucionais dos Estados-Membros e as instâncias de arbitragem que não integram o sistema judiciário — com exceção dos tribunais de arbitragem privados — também são competentes para decidir de um reenvio prejudicial. Um juiz nacional fará uso do seu direito de reenvio prejudicial em função da pertinência das questões de direito da UE para a decisão a tomar no processo principal, sendo essa decisão da sua exclusiva responsabilidade. As partes no litígio apenas podem formular observações. O Tribunal de Justiça apenas verifica a pertinência das questões para a decisão final para efeitos de controlo da respetiva admissibilidade, isto é, para se certificar de que a questão jacente incide verdadeiramente sobre a interpretação dos tratados da UE ou sobre a validade de um ato emanado de uma instituição da UE, ou ainda para aferir da presença efetiva de um litígio jurídico, designadamente, se os pontos sobre os quais o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar-se a título prejudicial não são apenas hipotéticos ou abstratos tendentes a induzir o Tribunal de Justiça a dar um parecer através de uma decisão prejudicial. É raro que o Tribunal de Justiça se recuse a apreciar um reenvio invocando estas razões, já que, dada a importância da cooperação entre as autoridades judiciárias, o Tribunal de Justiça age nestes dois domínios com uma certa contenção. Todavia, a jurisprudência recente demonstra que o Tribunal de Justiça dá agora provas de maior rigor em matéria de admissibilidade dos pedidos de decisão a título prejudicial, já que aplica à letra o requisito já mencionado de que o reenvio prejudicial deve comportar uma descrição suficientemente clara e pormenorizada das questões de facto e de direito do processo inicial. Na falta de tais informações, o Tribunal de Justiça declara-se incompetente para proceder a uma interpretação correta da legislação da UE e indefere o pedido.

Obrigatoriedade de introdução de um pedido de reenvio prejudicial. Qualquer órgão jurisdicional cujas decisões não sejam passíveis de recurso judicial previsto no direito nacional está obrigado a introduzir um pedido de reenvio prejudicial. O conceito de recurso abrange todas as vias de recurso que permitam verificar decisões de facto e de direito (como, por exemplo, a invocação) ou só de direito (por exemplo, a revisão) tomadas por um órgão jurisdicional de uma instância superior. Não se incluem aqui os recursos ordinários com efeitos limitados ou específicos (por exemplo, a revisão, verificação da constitucionalidade). O órgão jurisdicional obrigado a submeter um pedido de reenvio prejudicial só pode subtrair-se a essa obrigação se a questão prejudicial não for relevante para a solução do litígio, se já foi objeto de um acórdão do Tribunal de Justiça ou ainda se não subsistir nenhuma dúvida quanto à interpretação de uma disposição de direito da UE. Em contrapartida, se um órgão jurisdicional nacional pretender invocar a invalidade de um ato da UE, é obrigado a introduzir um pedido de reenvio prejudicial sem restrições. Neste contexto, o Tribunal de Justiça estabeleceu claramente que detém competência exclusiva para rejeitar disposições que violem o direito da UE. Em consequência, os órgãos jurisdicionais nacionais devem aplicar e respeitar o direito da UE enquanto o Tribunal de Justiça não tiver decidido da respetiva invalidade. Admite-se uma exceção para os órgãos jurisdicionais no âmbito de um processo para proteção jurídica provisória. Nos termos da jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça, estes órgãos jurisdicionais podem, sob certas condições, suspender a execução de atos administrativos nacionais decorrentes de um regulamento da UE ou tomar medidas provisórias a fim de previamente decidirem sobre situações ou relações jurídicas litigiosas sem ter em conta uma disposição jurídica da UE.

Uma violação da obrigação de reenvio constitui, simultaneamente, uma violação dos tratados da UE, imputável ao Estado-Membro em questão, que poderá ser sancionado através de uma ação por incumprimento. Na prática, as consequências de uma tal ação permanecem muito circunscritas uma vez que o Governo do Estado-Membro em causa não pode dar seguimento a uma eventual condenação do Tribunal de Justiça, já que não pode dar instruções às instâncias jurisdicionais nacionais, por força do princípio da independência do poder judicial e da separação dos poderes. As possibilidades de êxito são todavia mais importantes desde que foi reconhecido o princípio da responsabilidade contratual dos Estados-Membros em caso de violação do direito da UE (ver secção «A responsabilidade dos Estados-Membros por violações do direito da UE»), que permite que sejam intentadas ações de indemnização por danos suscetíveis de resultarem do desrespeito pelo Estado-Membro da obrigação de reenvio.

Efeito. O reenvio prejudicial, que assume a forma de um acórdão, obriga o órgão jurisdicional que introduziu o pedido de decisão a título prejudicial, assim como as outras instâncias envolvidas no litígio. Acresce que, na prática, os reenvios prejudiciais funcionam como precedentes que têm também consideráveis efeitos sobre outros processos similares.

A responsabilidade dos Estados-Membros por violações do direito da UE

O princípio da responsabilidade de um Estado-Membro pelos danos causados aos particulares por violações do direito da União Europeia que lhe são imputáveis foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 5 de março de 1996, nos processos apensos C-46/93, Brasserie du pêcheur, e C-48/93, Factortame. Este acórdão inscreve-se na linha dos anteriores acórdãos relevantes pronunciados pelo Tribunal de Justiça em matéria de primado do direito da UE, aplicabilidade direta das disposições do direito da UE e reconhecimento dos direitos fundamentais próprios da União. Conforme referiu o Tribunal de Justiça, o direito à reparação dos danos «constitui o corolário necessário do efeito direto das disposições comunitárias, cuja violação está na origem do prejuízo causado» e reforça consideravelmente as possibilidades de que os particulares dispõem para obrigar as autoridades nacionais (executivas, legislativas e judiciais) a respeitar e aplicar a legislação da UE. O Tribunal de Justiça desenvolveu a jurisprudência já iniciada com o acórdão nos processos apensos C-6/90 e C-9/90 Francovich e Bonifaci. Ao passo que, anteriormente, a responsabilidade dos Estados-Membros era limitada aos casos em que particulares tinham sofrido danos em razão de uma transposição tardia de uma diretiva que lhes reconhecia direitos subjetivos, mas da qual não eram destinatários diretos, este acórdão estabelece o princípio da responsabilidade geral, que inclui todas as violações do direito da UE imputáveis ao Estado-Membro.

A responsabilidade dos Estados-Membros por violações do direito da UE é reconhecida sempre que estão reunidas três condições prévias, que em si correspondem fundamentalmente às que se aplicam à UE numa situação análoga:

  1. A regra de direito da UE violada deve ter por objeto conferir direitos aos particulares.
  2. A violação deve ser suficientemente caracterizada, ou seja, é necessário que um Estado-Membro tenha violado de uma forma manifesta e grave os limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Esta apreciação incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais, as únicas entidades competentes para conhecer dos factos e para caracterizar as violações do direito da UE em causa. No seu acórdão Brasserie du pêcheur, o Tribunal de Justiça formula algumas orientações fundamentais destinadas aos órgãos jurisdicionais nacionais:
    ... entre os elementos que o órgão jurisdicional competente pode ser levado a considerar, importa sublinhar o grau de clareza e de precisão da regra violada, o âmbito da margem de apreciação que a regra violada deixa às autoridades nacionais ou [da União], o caráter intencional ou involuntário do incumprimento verificado ou do prejuízo causado, o caráter desculpável ou não de um eventual erro de direito, o facto de as atitudes adotadas por uma instituição [da União] terem podido contribuir para a omissão, a adoção ou a manutenção de medidas ou práticas nacionais contrárias ao direito comunitário [da União]. De qualquer modo, encontramo-nos perante uma violação do direito [da União] suficientemente caracterizada, quando esta perdurou, apesar de ter sido proferido um acórdão em que se reconhecia o incumprimento imputado ou um acórdão num reenvio prejudicial, ou apesar de existir uma jurisprudência bem assente do Tribunal de Justiça na matéria, dos quais resulte o caráter ilícito do comportamento em causa».
  3. Deve existir um nexo de causalidade direto entre a violação da obrigação que incumbe ao Estado-Membro e o prejuízo sofrido pelas pessoas lesadas. Não é exigida a existência de culpa (dolo ou negligência) que vá além da violação suficientemente caracterizada do direito da UE.

O Tribunal de Justiça estabeleceu inequivocamente que os princípios enunciados da responsabilidade também se aplicam ao terceiro dos poderes centrais, o poder judicial. As decisões que dele emanam podem doravante ser apreciadas não só pelas diferentes instâncias de recurso, bem como — tendo sido proferidas em desrespeito ou violação das normas do direito da UE — no âmbito de uma ação de reparação/indemnização interposta junto dos órgãos jurisdicionais competentes dos Estados-Membros. Quando se procede ao apuramento da violação do direito da UE através da sentença em questão, é necessário reexaminar as questões materiais atinentes à legislação da UE sem que o órgão jurisdicional competente possa invocar eventuais efeitos vinculativos da sentença no mérito da questão. A instância para a qual os órgãos jurisdicionais nacionais competentes podem recorrer para quaisquer questões de interpretação e/ou de apreciação da validade das disposições da UE ou de compatibilidade entre as disposições nacionais em matéria de res­ponsabilidade e o direito da União Europeia é de novo o Tribunal de Justiça, que pode ser demandado no âmbito de um reenvio prejudicial (artigo 267.º do TFUE). A responsabilidade por uma atuação indevida pelo poder judicial permanecerá, de resto, uma exceção. Tendo em conta o rigor das disposições em matéria de responsabilidade, esta responsabilidade só acaba por ser tomada em consideração quando um órgão jurisdicional ignora arbitrariamente o direito da UE em vigor ou, como no processo C-224/01 Köbler, um órgão jurisdicional de última instância, ignorando o direito da UE, adota uma decisão com validade jurídica que prejudica os cidadãos da União Europeia sem ter sido previamente demandado o Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre os condicionalismos jurídicos à luz do direito da UE. Em última análise, a proteção dos direitos dos cidadãos da UE, assente no direito da UE, obriga imperativamente a que os cidadãos da UE, que sofram prejuízos em virtude de um órgão jurisdicional de última instância, sejam indemnizados.

O DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA NO CONJUNTO DO SISTEMA JURÍDICO

Tendo em conta tudo o que vimos até agora sobre a estrutura da UE e a sua ordem jurídica, não é fácil determinar a posição do direito da UE no conjunto do sistema jurídico e estabelecer as suas fronteiras com as outras ordens jurídicas. Duas tentativas de classificação são de rejeitar a priori: a que considera o direito da UE como sendo apenas um conjunto de acordos entre Estados e a que o vê como parte ou apêndice das ordens jurídicas nacionais.

Autonomia da ordem jurídica da União Europeia

Ao instituírem a UE, os Estados-Membros limitaram os seus poderes legislativos soberanos e criaram uma ordem jurídica independente que os vincula, tal como aos seus nacionais, e que deve ser usada pelos seus órgãos jurisdicionais.

Um dos casos mais famosos que passou pelo Tribunal de Justiça, em 1964, foi o processo 6/64 Costa/ENEL, em que o Sr. Costa intentou uma ação contra a nacionalização da produção e distribuição de eletricidade em Itália e a consequente transferência das instalações das antigas companhias de eletricidade para a nova empresa pública ENEL.

A autonomia da ordem jurídica da UE tem um significado fundamental para ela própria, pois constitui a única garantia de que o direito da UE não será desvirtuado pela interação com o direito nacional e de que poderá ser aplicado uniformemente em todos os Estados-Membros. Em virtude dessa autonomia, os conceitos jurídicos da UE são interpretados fundamentalmente à luz das exigências do direito e dos objetivos da UE. Esta determinação dos conceitos, específica da UE, é imprescindível, uma vez que os direitos garantidos pela ordem jurídica da UE poderiam estar em perigo se cada Estado-Membro pudesse ter a última palavra para decidir por si próprio a interpretação que faria dos princípios relativos às liberdades garantidas pelo direito da União. Analisemos, por exemplo, o conceito de «trabalhador», que determina o alcance do direito à liberdade de circulação. Dado o seu conteúdo específico da UE, o conceito de trabalhador pode muito bem divergir dos conceitos utilizados e conhecidos na ordem jurídica dos Estados-Membros. Acresce que o padrão para avaliar os atos da UE é exclusivamente o próprio direito da União e não o direito nacional ou constitucional de um Estado-Membro.

Assim, perante esta noção de autonomia da ordem jurídica da UE, como descrever a relação entre direito da União e direito nacional?

Mesmo apresentando-se o direito da UE como uma ordem jurídica independente das ordens jurídicas dos Estados-Membros, não deve pensar-se que a ordem jurídica da UE e os sistemas jurídicos dos Estados-Membros se sobrepõem como camadas. Aplicam-se às mesmas pessoas, que assim se tornam ao mesmo tempo cidadãos de um Estado nacional e da UE, o que invalida uma demarcação tão rígida dessas ordens jurídicas. Por outro lado, um tal entendimento esqueceria que o direito da UE só tem aplicação prática se for transposto para as ordens jurídicas dos Estados-Membros. A ordem jurídica da UE e as ordens jurídicas nacionais são, na verdade, interdependentes e cooperam entre si.

A interação entre o direito da União e o direito nacional

Este aspeto da relação entre o direito da União e o direito nacional abrange os domínios em que ambos se completam mutuamente. O artigo 4.º, n.º 3, do TUE ilustra muito bem esta relação:

«Em virtude do princípio da cooperação leal, a União e os Estados- -Membros respeitam-se e assistem-se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados.

Os Estados-Membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União.

Os Estados-Membros facilitam à União o cumprimento da sua missão e abstêm-se de qualquer medida suscetível de pôr em perigo a realização dos objetivos da União.»

A formulação deste princípio geral da cooperação leal ficou a dever-se ao facto de haver consciência de que a ordem jurídica da UE não tem condições para realizar, por si só, os objetivos pretendidos com a fundação da União Europeia. Ao contrário das ordens jurídicas nacionais, a ordem jurídica da UE não constitui um sistema autossuficiente, pois depende dos sistemas nacionais que estão na sua base para a respetiva aplicação. Todos os órgãos estatais legislativos, executivos (incluindo as administrações) e judiciais têm, pois, de reconhecer que a ordem jurídica da UE não é um sistema «externo» e que os Estados-Membros e as instituições da UE pertencem solidariamente a um todo indissolúvel destinado a alcançar objetivos comuns. A UE não é apenas uma comunidade de interesses, é uma comunidade fundada na solidariedade. Consequentemente, as autoridades nacionais devem não só respeitar os tratados da UE e o respetivo direito derivado, mas também aplicá-los e dar-lhes vida. A interação entre o direito da União Europeia e o direito nacional assume aspetos tão multifacetados que vale a pena dar alguns importantes exemplos que ilustram isso mesmo.

A principal ilustração desta estreita ligação e da forma como a ordem jurídica da UE é completada pelas ordens jurídicas nacionais e vice-versa é o sistema da diretiva, que já foi abordado no capítulo sobre atos jurídicos. Ao passo que a diretiva estabelece apenas o objetivo a atingir de uma forma que é vinculativa para os Estados-Membros, são as autoridades nacionais, através da aplicação do direito nacional, que decidem acerca dos meios e da forma para o alcançar. No âmbito judicial, os dois sistemas estão estreitamente interligados através do processo de decisão prejudicial previsto no artigo 267.º do TFUE, nos termos do qual os órgãos jurisdicionais nacionais podem (devem) pedir ao Tribunal de Justiça uma decisão prejudicial quanto à interpretação ou à validade do direito da UE que pode ser relevante para as decisões nos processos que têm pendentes. Duas coisas são claras: primeiro, os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros são obrigados a respeitar e aplicar o direito da UE; e, segundo, que a interpretação e a decisão quanto à validade do direito da UE competem exclusivamente ao Tribunal de Justiça. A interdependência entre as ordens jurídicas nacionais e da UE também é ilustrada pelos casos em que é necessário colmatar lacunas da ordem jurídica da UE. O direito da UE remete para as normas existentes no direito nacional para completar as normas que ele próprio determina. Por conseguinte, a partir de determinada altura, o destino de uma disposição do direito da UE é determinado pelas respetivas disposições do direito nacional. De facto, este princípio aplica-se a todos os aspetos das obrigações nos termos do direito da UE, sempre que este não estabeleça as suas próprias normas de execução. Em todos estes casos, as autoridades nacionais aplicam o direito da UE segundo as normas do seu próprio direito nacional. Este princípio aplica-se obviamente apenas quando não questione a eficácia do direito da UE e respeite os requisitos de aplicação uniforme do direito da UE, devendo sempre evitar-se que os operadores económicos sejam tratados segundo padrões diferentes, logo injustos.

O conflito entre o direito da União Europeia e o direito nacional

No entanto, as relações entre o direito da UE e o direito nacional caracteri­zam-se igualmente pelo facto de a ordem jurídica da UE «colidir» por vezes com as ordens jurídicas nacionais. Fala-se então em conflito entre o direito da União e o direito nacional. Uma situação como esta surge sempre que uma disposição da UE cria direitos e obrigações diretos para os seus cidadãos cujo conteúdo está em contradição com uma norma de direito nacional. Perante este problema, aparentemente simples, surgem duas questões fundamentais da organização da UE cuja solução devia constituir a pedra de toque da existência da ordem jurídica da UE: a aplicabilidade direta do direito da União e o primado do direito da UE sobre o direito nacional que lhe é contrário.

A aplicabilidade direta do direito da União no direito nacional

Primeiro, o princípio da aplicabilidade direta significa apenas que o direito da UE cria obrigações e confere direitos, não só para as instituições da UE e os Estados-Membros, mas também para os cidadãos da UE.

Um dos grandes méritos do Tribunal de Justiça é o de ter reconhecido a aplicabilidade direta das disposições de direito da UE, apesar da resistência inicial de determinados Estados-Membros, e de ter consolidado assim a existência da ordem jurídica da UE. A sua jurisprudência sobre este ponto partiu de um processo já mencionado, o da empresa de transportes neerlandesa Van Gend & Loos. A empresa intentou uma ação num tribunal neerlandês contra as autoridades aduaneiras neerlandesas, que cobraram direitos aduaneiros acrescidos sobre um produto químico importado da Alemanha Ocidental. Em última análise, a resolução deste litígio dependia de se saber se um particular podia invocar o disposto no artigo 12.º do Tratado CEE, que proíbe expressamente a introdução pelos Estados- -Membros de novos direitos aduaneiros ou o aumento dos existentes no mercado comum. O Tribunal de Justiça pronunciou-se, contra o parecer de numerosos governos e do seu advogado-geral, pela aplicabilidade direta das disposições da UE, tendo em conta a natureza e os objetivos da União. Na fundamentação do acórdão, o Tribunal de Justiça concluiu que:

A… Comunidade constitui uma nova ordem jurídica [...] cujos sujeitos são não só os Estados-Membros, mas também os seus nacionais. Por conseguinte, o direito comunitário, independente da legislação dos Estados-Membros, tal como impõe obrigações aos particulares, também lhes atribui direitos que entram na sua esfera jurídica. Tais direitos nascem não só quando é feita uma atribuição expressa pelo Tratado, mas também como contrapartida de obrigações impostas pelos Tratados de forma bem definida, quer aos particulares, quer aos Estados-Membros, quer às instituições comunitárias.»

Esta posição, por si só, não permite avançar muito, porque resta saber quais são as disposições do direito da União Europeia que são diretamente aplicáveis. O Tribunal de Justiça começou por examinar esta questão à luz do direito primário da União, tendo estabelecido que todas as disposições dos tratados da UE podem ser diretamente aplicáveis aos nacionais dos Estados-Membros sempre que: são formuladas sem reservas; são autossu­ficientes e juridicamente perfeitas; e por estas razões não necessitam de nenhuma ação dos Estados-Membros ou das instituições da União para a sua execução e eficácia.

Foi o que o Tribunal decidiu quanto ao artigo 12.º do Tratado CEE. A empresa Van Gend & Loos podia basear-se neste artigo para fazer valer os seus direitos, que o tribunal neerlandês tinha de salvaguardar e, consequentemente, tinha de considerar ilícito o aumento do direito de importação, por ser contrário ao Tratado. Esta jurisprudência foi mais tarde desenvolvida pelo Tribunal de Justiça para outras disposições do Tratado CEE que são para o cidadão da União muito mais importantes que o artigo 12.º do Tratado CEE, sendo de salientar os acórdãos relativos à aplicabilidade direta da livre circulação (artigo 45.º do TFUE), da liberdade de estabelecimento (artigo 49.º do TFUE) e da livre prestação de serviços (artigo 56.º do TFUE).

No que se refere às garantias de livre circulação, o Tribunal de Justiça pronunciou-se a favor da sua aplicabilidade direta no processo 41/74 van Duyn. Em causa estavam os seguintes factos: em maio de 1973, a Sra. van Duyn, cidadã neerlandesa, viu ser-lhe recusada a entrada no Reino Unido, que à época ainda era Estado-Membro da UE, por aí querer trabalhar como secretária na Igreja da Cientologia, uma organização cujas atividades eram consideradas como um «perigo social» pelo Ministério do Interior britânico. Invocando as disposições do direito da UE sobre livre circulação dos trabalhadores, a Sra. van Duyn solicitou ao tribunal superior que confirmasse o seu direito de residência no Reino Unido para aí exercer uma atividade profissional por conta de outrem e que, para tal, lhe fosse dada autorização para entrar no país. Instado pelo tribunal superior, no âmbito de um reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 48.º do Tratado CEE (atual artigo 45.º do TFUE) era diretamente aplicável e conferia aos particulares direitos que as jurisdições nacionais de um Estado-Membro deviam salvaguardar.

O Tribunal de Justiça foi instado pelo Conseil d’État belga relativamente à aplicabilidade direta do princípio da liberdade de estabelecimento, em relação ao qual o Conseil d’État tinha sido chamado a pronunciar-se numa ação interposta pelo advogado neerlandês J. Reyners, em que este invocava os seus direitos decorrentes do disposto no artigo 52.º do Tratado CEE (artigo 49.º do TFUE). Este advogado viu-se obrigado a intentar a ação na sequência de lhe ter sido recusada autorização para exercer advocacia na Bélgica, em razão da sua nacionalidade, apesar de ter passado os exames necessários na Bélgica. No seu acórdão de 21 de junho de 1974, o Tribunal de Justiça estabeleceu que uma desigualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros em matéria de direito de estabelecimento não se podia manter após o período de transição, pois, a partir daí, o artigo 52.º do Tratado CEE era de aplicação direta e conferia aos cidadãos da União o direito de acesso a uma profissão e o direito de a exercer noutro Estado-Membro como qualquer nacional desse Estado. Com fundamento neste acórdão, o Sr. Reyners foi autorizado a exercer a sua atividade profissional de advogado na Bélgica.

O Tribunal de Justiça teve também ocasião de se pronunciar sobre a aplicabilidade direta do princípio da livre prestação de serviços no âmbito do processo 33/74 Van Binsbergen. Tratava-se, nomeadamente, de saber se uma disposição legal neerlandesa, por força da qual só os residentes nos Países Baixos podiam intervir como representantes legais junto de um órgão jurisdicional de recurso, era compatível com as disposições do direito da UE relativas à livre prestação de serviços. O Tribunal de Justiça respondeu pela negativa, fundamentando-se no facto de considerar que todas as restrições à liberdade de estabelecimento a que um cidadão da UE estivesse sujeito em razão da nacionalidade ou da sua residência seriam contrárias ao artigo 59.º do Tratado CEE (artigo 56.º do TFUE) e, por isso, nulas.

Importa igualmente sublinhar a grande importância prática do reconhecimento da aplicabilidade direta do princípio da livre circulação de mercadorias (artigo 26.º do TFUE), do princípio da igualdade de remuneração entre homens e mulheres (artigo 157.º do TFUE), da proibição de qualquer forma de discriminação (artigo 45.º do TFUE) e da livre concorrência (artigo 101.º do TFUE).

No domínio do direito derivado, a questão da aplicabilidade direta coloca-se em relação às diretivas e às decisões cujos destinatários sejam os Estados-Membros, uma vez que os regulamentos e as decisões cujos destinatários são pessoas singulares são já diretamente aplicáveis por força dos tratados da UE (artigo 288.º, segundo e quarto parágrafos, do TFUE). Desde 1970 que o Tribunal de Justiça tornou o princípio da aplicabilidade direta do direito primário da União extensível às disposições das diretivas e às decisões dirigidas aos Estados-Membros.

Nunca será de mais salientar a importância prática da aplicabilidade direta do direito da UE, tal como tem sido reconhecida pelo Tribunal de Justiça de uma forma frutuosa e cada vez mais alargada: reforça a posição dos cidadãos, já que transforma as liberdades previstas no mercado comum em direitos que podem ser invocados perante os tribunais nacionais. A aplicabilidade direta é, por assim dizer, uma das traves-mestras em que assenta a ordem jurídica da UE.

O primado do direito da União Europeia sobre o direito nacional

A aplicabilidade direta de uma norma da União suscita uma outra questão igualmente fundamental: o que acontece quando uma disposição do direito da União, que estabelece direitos e obrigações diretamente para os cidadãos da UE, é incompatível no seu conteúdo com uma norma de direito nacional?

Tal conflito apenas se resolve se uma das duas ordens jurídicas prevalecer sobre a outra. A legislação da UE não contém nenhuma disposição clara nesta matéria. Em nenhum dos tratados da UE existe uma regra que determine se é o direito da UE que deve ceder ou se é o direito nacional. O conflito entre estes dois direitos só pode ser resolvido dando ao direito da UE o primado sobre o direito nacional e, assim, todas as disposições nacionais que se afastem de uma disposição da UE sejam esquecidas e esta ocupe o seu lugar nas ordens jurídicas nacionais. Doutro modo, o que restaria do direito da UE se o pretendêssemos subordinar ao direito nacional? As disposições da UE podiam ser anuladas por qualquer lei nacional e, assim, estaria igualmente excluída a sua aplicação uniforme em todos os Estados-Membros. Outra consequência seria a impossibilidade de a UE cumprir as tarefas que lhe foram atribuídas pelos Estados-Membros. O funcionamento da União seria posto em causa e a construção de um sistema comum de direito europeu, portador de grandes esperanças, estaria definitivamente comprometida.

Um problema desta natureza não existe nas relações entre direito internacional e direito nacional. Uma vez que o direito internacional deve ser integrado ou transposto para o direito interno para poder fazer parte da ordem jurídica de um país, a questão do primado resolve-se exclusivamente na base do direito interno. Consoante o lugar que o direito nacional reconhece ao direito internacional, este último pode exercer a sua primazia sobre o direito constitucional, ser colocado entre o direito constitucional e o direito comum ou ao mesmo nível que o direito comum. As relações ao mesmo nível entre a legislação internacional integrada ou transposta e a legislação nacional regem-se pelo princípio do primado das disposições mais recentes sobre as mais antigas (lex posterior derogat legi priori). Estas disposições nacionais que regem os conflitos entre normas jurídicas não se aplicam, em contrapartida, à relação entre direito da UE e direito nacional, já que o direito da UE não é parte integrante da ordem jurídica nacional. Em consequência, qualquer conflito entre a legislação da UE e a legislação nacional deve ser exclusivamente resolvido com base na ordem jurídica da UE.

Foi de novo o Tribunal de Justiça que, prevendo estas consequências, impôs, apesar da resistência de alguns Estados-Membros, o princípio do primado do direito da UE sobre o direito nacional, que é fundamental para a existência da ordem jurídica da UE. Dotou, assim, a ordem jurídica da UE de uma segunda trave-mestra, depois da aplicabilidade direta, que a transformou definitivamente num edifício sólido.

No já mencionado acórdão Costa/ENEL, o Tribunal de Justiça formulou duas considerações muito significativas no tocante às relações entre o direito da União e o direito nacional:

Primeiro, os Estados-Membros transferiram de forma definitiva para uma Comunidade, por eles criada, certos direitos soberanos, e medidas unilaterais posteriores seriam incompatíveis com o conceito de direito da UE.

Segundo, o tratado estabelece como princípio fundamental que um Estado-Membro não pode pôr em causa a particularidade que tem o direito da UE de se impor uniforme e completamente no conjunto da UE.

Consequentemente, o direito da UE, criado por força dos poderes previstos nos Tratados, detém o primado sobre toda e qualquer norma jurídica de direito nacional a ele contrária. Prevalece não só sobre a legislação nacional anterior, mas também sobre atos legislativos ulteriores.

Em síntese, o Tribunal de Justiça, quando proferiu o acórdão Costa/ENEL, não pôs em causa a nacionalização do setor da eletricidade em Itália, mas estabeleceu sem equívoco o primado do direito da União sobre o direito nacional.

A consequência jurídica deste princípio do primado é que, em caso de conflito entre leis, a disposição nacional contrária à disposição da UE deixa de ser aplicável e não podem ser introduzidas novas disposições de direito interno contrárias à legislação da União.

O Tribunal de Justiça manteve-se fiel a estes princípios na sua jurisprudência posterior. Num ponto, aliás, desenvolveu-a. Assim, embora no acórdão Costa o Tribunal de Justiça se tenha apenas pronunciado em relação ao primado do direito da UE sobre as leis nacionais, afirmou também o princípio do primado do direito da UE nas relações entre este último e o direito constitucional nacional. Embora no início hesitassem, os tribunais nacionais acabaram por seguir, no essencial, a interpretação do Tribunal de Justiça. Nos Países Baixos, onde a Constituição reconhece expressamente o princípio do primado do direito da UE sobre o direito nacional (artigos 65.º a 67.º), nunca poderiam surgir dificuldades. Nos outros Estados-Membros, os órgãos jurisdicionais nacionais reconheceram igualmente este princípio face às legislações nacionais. Em contrapartida, os tribunais constitucionais da Alemanha e da Itália começaram por não aceitar o princípio do primado do direito da UE sobre o direito constitucional interno, em especial no que se refere a garantias nacionais em matéria de direitos fundamentais. Apenas admitiram esse primado quando a proteção dos direitos fundamentais na ordem jurídica da UE tinha atingido um nível correspondente, no essencial, ao que consagram as constituições nacionais. No entanto, subsistem as reservas do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha quanto a uma integração progressiva, reservas essas que este exprimiu com clareza, sobretudo nos seus acórdãos sobre o Tratado de Maastricht e, ultimamente, sobre o Tratado de Lisboa, no sentido de uma «fiscalização ultra vires», segundo a qual o Tribunal Constitucional Federal se reserva o direito de examinar se os atos jurídicos adotados pelas instituições e órgãos da União Europeia, incluindo os acórdãos do Tribunal de Justiça, respeitam os limites das competências que lhes foram atribuídas, ou se existe uma interpretação alargada dos Tratados pelo poder judicial da UE, o que equivaleria a uma ilícita alteração autónoma dos tratados. Posteriormente, o Tribunal Constitucional Federal sujeitou esta fiscalização ultra vires ao imperativo da «tomada em consideração», segundo o qual esta fiscalização poderia ser unicamente efetuada pelo Tribunal Constitucional Federal (e não também por outros órgãos jurisdicionais nacionais) e apenas de forma prudente e com uma atitude aberta ou recetiva face ao direito da UE. Isso implica, acima de tudo:

  1. Que o Tribunal Constitucional Federal considere as decisões do Tribunal de Justiça como uma interpretação essencialmente vinculativa do direito da União;
  2. Que, antes de adotar um ato ultra vires, dê a oportunidade ao Tribunal de Justiça de interpretar o acordo e de se pronunciar sobre a validade e a interpretação do ato em causa no âmbito de um processo de reenvio prejudicial (artigo 267.º TFUE);
  3. Que a fiscalização só terá lugar quando for manifesto que os atos das instituições da UE foram adotados fora das competências que lhes foram conferidas.

Perante esta apertada teia de condições, poder-se-ia presumir que um tal caso de ato jurídico ultra vires continuaria a ser de natureza essencialmente teórica. Contudo, a realidade foi bem diferente. No seu acórdão de 5 de maio de 2020 sobre o programa de compra de ativos do setor público do Banco Central Europeu, o Tribunal Constitucional Federal considerou que as aquisições de obrigações soberanas pelo BCE eram contrárias às suas competências e constituíam uma violação à Lei Fundamental alemã. Relativamente ao acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça na sequência do pedido de decisão prejudicial anteriormente apresentado pelo Tribunal Constitucional Federal, tendo em vista a fiscalização da proporcionalidade dos atos jurídicos adotados para a execução do programa de compra, o Tribunal Constitucional Federal qualificou-o de «simplesmente incompreensível», razão pelo qual o rejeitou. Com este acórdão, o Tribunal Constitucional Federal adotou uma abordagem de confronto aberto com o TJUE e, ao mesmo tempo, deixou claro que pretende examinar caso a caso o primado do direito da UE sobre o direito nacional, que ele próprio considerou essencial para o funcionamento da UE numa decisão anterior, e que nem sequer se inibirá de ignorar um acórdão do Tribunal de Justiça sobre o mérito da causa. Resta esperar que ambos os tribunais possam, em breve, voltar a fechar o fosso aberto pelo acórdão do Tribunal Constitucional Federal e retomar uma cooperação leal e o respeito mútuo, tanto mais que o Tribunal Constitucional Federal não põe fundamentalmente em causa o primado do direito da UE sobre o direito constitucional nacional, mas apenas se reserva o direito ao controlo derradeiro em determinados casos muito raros. A situação é diferente no caso do acórdão do Tribunal Constitucional da Polónia de 7 de outubro de 2021, em que partes do direito da UE foram declaradas incompatíveis com a Constituição polaca. No entender do Tribunal Constitucional polaco, a tentativa de ingerência no sistema judicial polaco por parte do TJUE viola o princípio do primado da Constituição e põe em causa a soberania da Polónia. Em março de 2021, o Tribunal de Justiça tinha-se pronunciado no sentido de que o direito da UE pode obrigar os Estados-Membros a abstrair-se de disposições específicas do direito nacional, mesmo que se trate de disposições do direito constitucional. Os juízes da UE receavam, concretamente, que o processo de nomeação dos juízes do Supremo Tribunal na Polónia pudesse violar o direito da UE. Consequentemente, o Tribunal de Justiça poderia obrigar a Polónia a revogar partes da reforma contestada. Na sequência deste acórdão, a Comissão Europeia esclareceu, de imediato, que os princípios fundamentais da ordem jurídica europeia não se encontravam à discrição dos tribunais nacionais, nem tão pouco dos tribunais constitucionais: o direito da UE prevalece sobre o direito público, até mesmo sobre o direito constitucional nacional. A Comissão manteve em aberto todas as opções para fazer uso das competências que lhe são atribuídas pelos tratados e para assegurar a aplicação uniforme e a integridade do direito da UE.

Farda de um bombeiro num cacifo, pronta a ser usada numa emergência.

No processo Pfeiffer, o Tribunal de Justiça clarificou, em 2004, que os assistentes de emergência médica estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva Tempo de Trabalho (Diretiva 93/104/CE). Os serviços de urgência interna tinham de ser considerados para efeitos do cálculo da duração máxima de trabalho semanal de 48 horas.

A interpretação do direito nacional em conformidade com o direito da União Europeia

Para evitar um conflito sobre normas cuja resolução requeira o recurso à regra do primado do direito da União sobre o direito nacional, todas as autoridades nacionais que aplicam o direito ou a jurisprudência devem inicialmente recorrer à interpretação do direito nacional em conformidade com o direito da União.

A figura da interpretação da conformidade com o direito da União só foi reconhecida de forma relativamente tardia pelo Tribunal de Justiça quando foi introduzida na ordem jurídica da UE. Depois de ter inicialmente considerado que era adequado garantir a harmonia das disposições jurídicas nacionais apenas quando os tribunais nacionais o solicitassem, o Tribunal de Justiça estabeleceu uma obrigação de interpretar a lei nacional em conformidade com as diretivas pela primeira vez em 1984, no processo 14/83 Von Colson e Kamann. Este processo dizia respeito à fixação do montante de uma indemnização por danos resultantes da discriminação de mulheres na contratação laboral. Ao passo que o Governo alemão previa apenas uma indemnização pela quebra de confiança (e sobretudo as despesas puramente resultantes da candidatura), a Diretiva 76/207/CEE exigia a aplicação de sanções efetivas segundo o direito nacional para implementação da igualdade dos géneros no acesso à profissão. Porém, uma vez que a sanção não teve concretização, a diretiva não pôde ser considerada como de aplicação direta neste ponto, com o risco de que viesse a ser proferida uma sentença que estabelecesse a ilegalidade da legislação nacional face à legislação da União, mas não desse fundamento às instâncias jurisdicionais nacionais para deixarem de levar em conta as disposições nacionais. Foi por isso que o Tribunal de Justiça estatuiu que os órgãos jurisdicionais nacionais eram obrigados a interpretar e aplicar as disposições nacionais de direito civil, garantindo uma sanção efetiva da discriminação com base no género. Uma indemnização meramente simbólica não era suficiente para dar resposta à necessidade de transpor a diretiva de uma forma eficaz.

O Tribunal de Justiça considera como base jurídica de uma interpretação em conformidade com o direito da UE o princípio da cooperação leal (artigo 4.º, n.º 3, do TUE). Assim sendo, os Estados-Membros são obrigados a tomar todas as medidas adequadas, de cariz geral ou específico, para cumprir as obrigações resultantes do Tratado da UE ou da ação das instituições da UE. Acresce que as autoridades nacionais devem ajustar a aplicação e interpretação do direito nacional que venha a entrar em conflito com as disposições da UE no que se refere ao respetivo teor e objetivo (dever de lealdade para com a União Europeia — processos apensos C-397/01 a C-403/01 Pfeiffer e outros). Os órgãos jurisdicionais nacionais verão aqui também refletido o seu papel como órgãos jurisdicionais europeus enquanto depositários do dever de utilizarem e respeitarem devidamente o direito da UE.

Uma forma especial de interpretação em conformidade com o direito da UE é a interpretação conforme das diretivas. Por conseguinte, os Estados-Membros estão obrigados a transporem as diretivas. Os responsáveis pela aplicação do direito e os órgãos jurisdicionais devem contribuir para uma interpretação conforme das diretivas, de forma que esta obrigação seja plenamente respeitada pelo Estado-Membro em questão. A interpretação conforme das diretivas permite alcançar a conformidade das diretivas ao nível da aplicação do direito e garante, deste modo, a interpretação e aplicação uniformes da legislação transposta para o direito nacional de todos os Estados-Membros. Não se deve dividir no plano nacional o que acabou agora precisamente de ser harmonizado por diretivas ao nível da UE.

A interpretação quanto à conformidade com o direito da UE atinge os seus limites quando a redação de forma clara da disposição nacional não permite uma interpretação. Mesmo perante a obrigação que o direito da UE tem de adotar uma interpretação conforme com o direito da União, não pode o direito nacional ser interpretado contra legem, e isto também é válido no caso de uma recusa expressa do legislador nacional de transpor uma diretiva para o direito nacional. Um conflito daí resultante, entre o direito da União e o direito nacional, só poderá ser solucionado através de uma ação por incumprimento dos Tratados (artigos 258.º e 259.º do TFUE).

CONCLUSÕES

Qual a visão de conjunto que podemos extrair da estrutura da União Europeia e da sua ordem jurídica?

A ordem jurídica da UE é o fundamento essencial da União e caracteriza-a como uma comunidade de direito. Só a criação e a salvaguarda de um novo direito permitem realizar os objetivos que presidiram à instituição da UE. A ordem jurídica da União Europeia conseguiu fazer muito nesta perspetiva. É também graças a esta nova ordem jurídica que 447 milhões de pessoas sentem já, na sua vida diária, o mercado interno europeu como uma realidade quotidiana, com a abertura das fronteiras, o elevado intercâmbio de mercadorias e serviços, a livre circulação de trabalhadores e a intensidade das relações entre empresas de diferentes países. Uma outra característica da ordem jurídica da UE, hoje já com uma importância histórica, é o seu forte contributo para a paz. Tendo como objetivo a manutenção da paz e a liberdade, esta nova ordem jurídica substitui-se à força quando se trata de resolver conflitos, uma vez que as suas regras de direito obrigam, quer os cidadãos, quer os Estados-Membros numa comunidade solidária. A ordem jurídica torna-se, assim, um importante instrumento de construção e salvaguarda da paz.

A ordem jurídica da UE, assim como a comunidade de direito dela dependente, só sobrevivem se o seu respeito e a sua proteção estiverem garantidos, o que acontece, de facto, mercê dos dois pilares em que assenta a primeira: a aplicabilidade direta do direito da UE e o seu primado sobre o direito nacional. Estes dois princípios, para cuja existência e salvaguarda o Tribunal de Justiça contribuiu com grande determinação, garantem a aplicação uniforme e prioritária do direito da União em todos os Estados-Membros.

Apesar das lacunas que a caracterizam, o contributo da ordem jurídica da UE para a solução dos problemas políticos, económicos e sociais dos Estados-Membros tem um valor inestimável.

JURISPRUDÊNCIA CITADA

Todas as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia podem ser consultadas em linha (www.eur-lex.europa.eu). Além disso, o sítio EUR-Lex também fornece acesso gratuito, nas 24 línguas oficiais da UE, ao seguinte:

  • Direito da UE (tratados da UE, regulamentos, diretivas, decisões, legislação consolidada, etc.);
  • Atos preparatórios (propostas legislativas, relatórios, Livros Verdes e Brancos, etc.);
  • Convenções internacionais;
  • Sínteses da legislação da UE que colocam os atos legislativos nos respetivos contextos políticos.

Natureza jurídica e primado do direito da UE

Processo 26/62, Van Gend & Loos, Col. 1963, p. 1 (natureza jurídica do direito da União; direitos e obrigações dos particulares).

Processo 6/64, Costa/ENEL, Col. 1964, p. 1251 (natureza jurídica do direito da UE; aplicabilidade direta, primado do direito da UE).

Processo 14/83 — Von Colson e Kamann, Col. 1984, p. 1891 (interpretação da conformidade do direito nacional com o direito da UE).

Processo C-213/89 — Factortame, Col. 1990, p. I-2433 (aplicabilidade direta e primado do direito da UE).

Processos apensos C-6/90 e C-9/90 — Francovich e Bonifaci, Col. 1991, p. I-5357 (validade do direito da UE; responsabilidade dos Estados-Membros por incumprimento do direito da UE, neste caso: não transposição de uma diretiva).

Processos apensos C-46/93, Brasserie du pêcheur e C-48/93, Factortame, Col. 1996, p. I-1029 (validade do direito da UE; responsabilidade geral dos Estados-Membros por incumprimento do direito da UE).

Processos apensos C-397/01 a C-403/01 — Pfeiffer e o., Col. 2004, p. I-8835 (interpretação da conformidade do direito nacional com o direito da União).

Competências da UE

Processos 3, 4 e 6/76, Kramer, Col. 1976, p. 1279 (relações externas; compromissos internacionais; autoridade da UE).

Parecer 2/91, Col. 1993, p. I-1061 (repartição de competências entre a UE e os Estados-Membros).

Parecer 2/94, Col. 1996, p. I-1759 (adesão da UE à CEDH; ausência de competências).

Parecer 2/13, EU:C:2014:2454 (incompatibilidade do projeto de acordo de adesão da UE à CEDH com o direito da UE).

Efeitos dos atos jurídicos

Processo 2/74, Reyners, Col. 1974, p. 631 (aplicabilidade direta; liberdade de estabelecimento).

Processo 33/74, van Binsbergen, Col. 1974, p. 1299 (aplicabilidade direta; prestação de serviços).

Processo 41/74, van Duyn, Col. 1974, p. 1337 (aplicabilidade direta; liberdade de circulação).

Direitos fundamentais

Processo 29/69, Stauder, Col. 1969, p. 419 (direitos fundamentais; princípios gerais do direito).

Processo C-112/00 — Eugen Schmidberger, Col. 2003, p. I-5659 (livre circulação de bens; direitos fundamentais).

Proteção jurídica

Processo T 177/01 — Jégo Quéré & Cie contra Comissão, Col. 2002, p. II 2265 (lacuna em matéria de proteção jurídica nos atos com efeito direto mas que não diz individualmente respeito a ninguém); posição diferente adotada pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão do recurso, de 1 de abril de 2004, processo C-263/02 P, Comissão contra Jégo-Quéré et Cie, Col. 2004, p. I-3425.

Processo T-18/10, Inuit Tapiriit Kanatami, Col. 2010, p. II-5599 (definição de «ato regulamentar»); confirmado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão do recurso de 3.10.2013, Processo C-583/11 P.

NOTAS

1 Esta designação não prejudica as posições relativas ao estatuto e está conforme com a Resolução 1244/1999 do CSNU e com o parecer do TIJ sobre a declaração de independência do Kosovo.

2 A demissão da «Comissão Santer» em 1999 foi desencadeada pela recusa de quitação do Parlamento relativa à execução orçamental, tendo sido rejeitada a moção de censura que também foi apresentada, embora por uma margem relativamente pequena.

3 Os dados relativos à população e os cálculos podem ser consultados através da seguinte hiperligação: https://www.consilium.europa.eu/pt/council-eu/voting-system/­voting- calculator/.

4 Para mais informações, consultar o capítulo sobre a responsabilidade dos Estados-Membros por violações do direito da UE.

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O ABC do direito da UE

A ordem jurídica subjacente à União Europeia molda a nossa realidade política e social. Os indivíduos não são apenas cidadãos das suas localidades, das suas cidades ou dos seus Estados, são também cidadãos da UE.

O ABC do direito da UE, da autoria do Prof. Dr. Klaus Dieter Borchardt, analisa as raízes do projeto europeu e a sua evolução enquanto ordem jurídica, sendo uma obra de referência inegável sobre a matéria.

Destina-se aos leitores que estejam interessados em ter um primeiro contacto com a estrutura da União e com os pilares em que assenta a ordem jurídica europeia.

 

O Prof. Dr. Klaus-Dieter Borchardt desempenhou diversas funções na Comissão Europeia até à sua reforma, em 2019. Professor Honorário na Universidade de Wurtzburgo, é autor de várias obras sobre direito europeu.